Novelas nada exemplares, Dalton Trevisan
Veneno. Veneno puro o que os seres humanos são capazes de fazer uns aos outros e a si mesmos. Essa a matéria prima dos contos de Dalton Trevisan, livro lançado em 1959. Sua escrita, comentada e decantada por décadas, já continha nesses contos o estilo telegráfico, as frases curtas e, principalmente, os vácuos entre os fatos, “vácuos sintagmáticos”, que permitem ao leitor completar com sua imaginação os acontecimentos que o autor propositadamente deixa de detalhar, o que torna a leitura um delicioso exercício de inteligência. Nesse livro, ainda os contos são um tanto longos, já que, mais tarde eles se tornaram cada vez mais curtos e precisos. Mas, repito, já está lá toda a genialidade do contista na estruturação, com poucas pinceladas, de personagens miúdas, gente do povo, “gente como a gente”, todas capazes, como disse, de destilar maldades como todos os seres humanos, na imaginação ou na realidade de vidas miseráveis ou “marginais”, no sentido de viverem suas vidas medíocres e empobrecidas quase à margem da sociedade: funcionários de repartições, mulheres “do lar”, prostitutas novas e velhas, assassinos ou jovens donzelas que se entregam aos prazeres do amor, às vezes com profundos arrependimentos, outras vezes com intenções escusas que o leitor nem sempre consegue decifrar. Há vinganças e desatinos, corações partidos e traições reais ou apenas imaginadas, num mergulho naquilo que de mais profundo há nos seres humanos: suas angústias, mas também sua capacidade de transformar grandes delitos em acontecimentos do dia a dia. Ler e reler esse que é um de nossos maiores contistas nos leva a viajar por nossa própria vida e a nos dar força para superar nossa própria mediocridade. Um autor sempre obrigatório, um ícone.
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