quarta-feira, 30 de março de 2022

Manual da Paixão Solitária, Moacyr Scliar

 Manual da Paixão Solitária, Moacyr Scliar


Você já ouviu a Gymonopédie nº 1 de Érik Satie? Uma música simples, aparentemente simples, mas de grande complexidade. Há livros que também são assim: têm uma estrutura simples, para esconder uma visão complexa de lados obscuros do ser humano. “Manual da paixão solitária” tem o seguinte enredo: uma sociedade de estudos bíblicos realiza um congresso cujo tema é a história de Judá e seus três filhos, Er, Onan e Shelá. Contrata-se um professor famoso para uma conferência sobre o tema, o que ele faz de forma brilhante, assumindo o ponto de vista do terceiro filho, Shelá. Aparece, no entanto, uma ex-aluna e adversária ferrenha desse professor e pede para também falar a respeito do tema, mas sob o ponto de vista de Tamar, a mulher que é dada como companheira ao primeiro filho, Er, o qual devia, segundo a tradição, dar prosseguimento ao clã de Judá, através de um filho que herdasse toda os seus bens. No entanto, Er não gosta de mulher e não consuma o casamento. Desesperado, porque não pode revelar seu segredo, suicida-se. Ainda segundo a tradição, o segundo filho, Onan, deve assumir o posto do irmão e o filho nascido dessa união será considerado filho de Er, herdeiro, portanto dos bens do clã. Revoltado, no entanto, com a morte do irmão, Onan não engravida Tamar, pois toda vez que tem relações sexuais com ela, interrompe o coito antes do gozo e espalha na terra o seu sêmen. Deus o pune com morte. Tamar, a viúva, embora amaldiçoada, mantém o vínculo com o clã de Judá e deve receber por marido o terceiro irmão, ainda muito jovem. Judá recusa lhe dar Shelá por companheiro, embora este esteja apaixonado por ela. Para se livrar da maldição de haver perdido dois maridos e não ter engravidado, Tamar lança mão de um ardil e engravida de Judá. As duas conferências narram, portanto, a mesma história, mas sob pontos de vista diferentes, com grande capacidade de recriação dos detalhes históricos. E desvenda-nos, mais do que a história bíblica, emoções básicas do ser humano, com boa dose de humor e ironia.



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