História da menina perdida, Elena Ferrante
“Toda relação intensa entre seres humanos é cheia de armadilhas e, caso se queira que dure, é preciso aprender a desviar-se delas”. Essa frase talvez resuma a Série Napolitana, de Elena Ferrante. Está no último volume do quarteto, “A história da menina perdida”, que aborda a fase adulta das personagens centrais – Lina e Elena. Os fatos se sucedem numa catadupa de tirar o fôlego. A relação de Elena com o seu amor de infância azeda de vez, deixando-a com mais uma filha. Volta para Nápoles e ali se passam quase todos os acontecimentos de sua vida turbulenta. A cidade aparece, agora, com toda a sua complexa rede de histórias de violência e de disputas políticas e de domínio, com muitos assassinatos e drogas. Localizada à sombra do Vesúvio que há muito tempo se mantém inativo, é, no entanto, abalada por forte cismo que, mais do que destruir a cidade, parece levar à destruição interior das personagens do livro. Lila obtém grande sucesso financeiro, graças à sua empresa de informática, quando os computadores ainda estão começando a se popularizar, até que sua filha, a que ela teve com Guido (o mesmo amor de infância de Elena) desparece. E então sua vida vira um rol de desconforto e infelicidades. Enquanto isso, Elena obtém grande sucesso com seus livros, torna-se uma escritora requisitada pela mídia e viaja muito. A trajetória de ambas – Lila e Elena – se entrelaça de forma quase oposta, mas sempre numa relação tensa de subalternidade de Elena em relação a Lina, a amiga genial que não cumpre, no entanto, as promessas de seu talento, enquanto ela, Elena, mantém uma vida de estudos e publicações. As armadilhas entre ambas são duramente ultrapassadas, nem sempre de forma tranquila para uma ou para outra, mas levam-nas a permanecerem em contato, ainda que distantes, quando Elena, depois de ficar praticamente sozinha, resolve ir embora da cidade em que nasceu e viveu por tantos anos, e que ela pensa conhecer profundamente. Impossível não relacionar os quatro volumes da “Série Napolitana” com outro grande sucesso editorial publicado entre 1957 e 1960: “O quarteto de Alexandria”, de Lawrence Durrel. Em ambas as obras – longas e confessionais – as duas cidades ganham vida, como personagens míticas (mais em Durrel do que em Ferrante) de grande força narrativa, já que ambas têm históricos milenares, além de várias outras “coincidências” que o leitor atento das duas obras poderá identificar. Se Durrel organiza sua obra numa estrutura que lembra uma espécie de círculos concêntricos em que os três primeiros volumes praticamente contam a mesma história sob pontos de vista diferentes, Ferrante leva sua história quase linearmente, mas sem deixar o leitor respirar, com os acontecimentos se sucedendo como num rio caudaloso, num estilo contundente e envolvente.
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