História de quem foge e de quem fica, Elena Ferrante
O terceiro volume da “Série Napolitana” privilegia a fase adulta das protagonistas nos conturbados anos 60, uma década de revoltas, de lutas de classes, de protestos e assassinatos. Aliás, é com um assassinato que se inicia esta terceira narrativa da saga de Elena, a narradora, e Lila, a amiga especial. Lila vai ao fundo do poço, quase morre, mas consegue dar a volta por cima com a ajuda de Elena e de Enzo, um antigo apaixonado por ela. Também à custa de jogar para o alto seus princípios e aceitar a ajuda do “inimigo”: Enzo e ela estudam a incipiente informática, através de apostilas não muito confiáveis, mas a inteligência de ambos e a perseverança, com um empurrãozinho da amigo, fazem com que obtenham um bom emprego e superem todas as dificuldades. Já a amiga Elena finalmente se casa com um promissor acadêmico, oriundo de uma família influente, muda-se para Florença, publica seu primeiro livro e obtém com ele um rápido e fulgurante sucesso. Nascem suas duas filhas. Mas o envolvimento com um amor do passado, com o instável amigo de infância e ex-amante de Lila, Nino, vai levá-la a caminhos tortuosos de uma paixão adolescente renascida de forma inesperada e enlouquecedora. O que perpassa a longa narrativa, com inúmeras personagens e vidas que se cruzam, entrecruzam, num bailado virtuosístico de histórias e acontecimentos de tirar o fôlego do leitor talvez possa ser resumido na palavra subalternidade, aquilo que liga as duas protagonistas e faz que Elena sempre se subestime em relação à amiga, embora seus destinos sejam tão diferentes e suas trajetórias sejam opostas: enquanto uma sobe, a outra cai e vice-versa. A relação entre elas é marcada por um misto de amor e ciúmes, de amor e inveja, mas sobrevive. A outra presença, fantasmagórica, é de Nino, na vida de ambas, com sua inteligência, seu charme, seu poder de sedução. É o “quase-pai” do filho de Lila e, quando se materializa na vida de Elena, chega para arrasar tudo e a todos. Enquanto Lila permanece vivendo em Nápoles, Elena se muda para Florença, depois de estudar em Pisa, mas a cidade natal de ambas mantém a escritora presa aos mesmos paradigmas arraigados de quando vivia na periferia e na pobreza, apesar de haver ascendido em termos de classe social. Também o lado político e social da década tece um interessante pano de fundo da primeira fase da conscientização das mulheres em relação ao mundo masculino. Ainda não se fala de feminismo, mas já está latente um movimento feminino de emancipação, no qual se engaja, embora timidamente, a narradora. Enfim, sem nenhuma dúvida, essa fase da longa narrativa das duas amigas e suas encrencas pela vida prende o leitor numa malha de acontecimentos de tirar o fôlego.
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