Mulherzinhas, Louisa May Alcott
No primeiro volume da “Série Napolitana” – A Amiga Genial –, Elena Ferrante nos conta o seguinte episódio: Lila e Elena jogam no porão, num vão da calçada, as bonecas uma da outra. É a casa do temível Don Achille. Num surto de coragem, resolvem resgatar as bonecas e, como não as encontram no porão, sobem as escadas do sobrado, tocam a campainha da casa do “monstro” e o encaram, pedindo que lhes devolva as bonecas. Don Achille murmura algo como “deve ter sido meu filho caçula que pegou suas bonecas”, mas resolve lhes dar algum dinheiro para que comprem outras. No entanto, já na rua, decidem comprar um novo exemplar do livro “Mulherzinhas”, que o antigo já está todo desgastado pela leitura constante. Esse foi gatilho para que eu resolvesse ler o tal romance, publicado em 1868 e até há bem pouco tempo leitura quase obrigatória das moças adolescentes, conforme o relato da escritora italiana. A história se passa numa vila do interior dos Estados Unidos e começa no natal de 1960 e termina no natal de 1961. O pai das “mulherzinhas” – as quatro irmãs de 17, 16,13 e 10 anos – foi para a guerra e a família, durante esse ano, passa por várias dificuldades e aventuras, contadas detalhadamente ao longo da longa narrativa. Não vou resumir o enredo ou me referir a essas dificuldade ou aventuras, porque, além de serem muitas, há nelas um único objetivo: reforçar a ideia de que as jovens devem ser preparadas para um futuro casamento. E mais: que só o trabalho e a esperança forjam temperamentos (principalmente os femininos) para a vida adulta, num lar constituído com amor e dedicação total ao marido. São, portanto, o suprassumo da defesa dos valores conservadores da família e do cristianismo. A lição fundamental de toda a saga das “mulherzinhas”: devemos todos ser bons. Valores conservadores que estão na contramão de tudo por que passam as protagonistas da “Série Napolitana”, o que torna a leitura desse livro um interessante contraponto às concepções modernas do feminismo nascente nos anos 70 e 80 que povoam as páginas da escritora italiana no final do século passado. E para não dizer que não me toquei com a tradução de “Little women” para “mulherzinhas” no título em português, concluo com a observação de que o erro de português desse título não justifica o sucesso de um livro tão obsoleto, nos dias atuais, mas, cuja leitura pode servir de testemunha de uma época quando as mulheres ainda não tinham voz, embora ainda estejamos muito distantes do ideal da igualdade e do respeito que todas, absolutamente todas as mulheres, merecem. Inclusive na tradução correta do título de um livro de ideias tão conservadoras.
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