Cães Negros, Ian McEwan
Num longo “prefácio”, o narrador justifica o que vem depois: órfão ainda criança, convive com a complicada vida sentimental da irmã mais velha e, depois, com a sobrinha praticamente “abandonada” pela mãe. Por se sentir abandonado de pais, “adota” os pais de amigos e conhecidos, com quem acaba aprendendo as lições da vida e formando o seu caráter. Aos trinta anos, casa-se com Jenny, filha de June e Bernard e, claro, encontra nos sogros seus segundos pais. Como tinham uma trajetória de vivência no partido comunista inglês e participado da segunda guerra, busca conhecimentos de suas vidas, para escrever uma biografia do casal que já há muitos anos não vive juntos. Nas entrevistas com ambos – June internada num asilo e Bernard durante a visita de ambos a Berlim, durante a queda do muro, e nos seus escritos – descobre um acontecimento misterioso que alterara para sempre a concepção de mundo da sogra. Bernard e June apaixonaram-se perdidamente em 1946 e tinham visões de mundo semelhantes em relação à política. Durante a lua de mel, viajam para a Itália, onde prestam serviço voluntário de ajuda a vítimas da guerra. Ao encetar a viagem de volta, fazem no interior da França um longo percurso a pé, durante o qual June, num determinado momento, tendo se adiantado ao marido, vê-se sozinha diante de dois enormes cães negros que a atacam. Consegue ferir um deles e escapar com vida. Diante da narrativa de um maire da aldeia onde buscam abrigo de que poderiam ser cães sobreviventes do período de perseguição nazista, começa a mudar sua percepção de mundo, tornando-se mística, o que a opõe às concepções materialistas de seu marido. Esse é o ponto central da narrativa, que ganha contornos de escolha ética: a saída para a humanidade ultrapassar o seu lado mais negro está numa visão espiritualista ou numa visão materialista do mundo? Sem dúvida, um dos melhores romances deste inglês que nos tem brindado com grandes narrativas, o que o torna um dos grandes escritores de nosso tempo.
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