segunda-feira, 27 de junho de 2022

Alvo Noturno, Ricardo Piglia

Alvo Noturno, Ricardo Piglia


Os romances policiais, em geral, seguem o modelo consagrado por Connan Doyle: um crime, geralmente misterioso, um detetive, pistas falsas e verdadeiras, investigação, solução. Muitos são os mestres que nos legaram obras primas nesse formato. No entanto, há espaço para inovações. É o que faz Ricardo Piglia nesse livro, “Alvo Noturno”: estão lá os ingredientes clássicos do bom suspense, claro, mas há outros, como, por exemplo, um belo estudo de sociologia da sociedade interiorana e conservadora da Província de Buenos Aires, como microcosmo desse tipo de cidade pelo mundo afora, ou seja, sociedades rurais onde há verdadeiros “coronéis” que decidem da vida e da morte dos cidadãos, num ambiente muitas vezes de corrupção e impunidade. O enredo, a história: numa cidadezinha do pampa argentino, a família Belladona tem dois filhos homens e duas gêmeas, Ada e Sofia. São elas que, em viagem aos Estados Unidos, travam relações com um porto-riquenho negro, chamado Tony Durán que, abandonando seu passado obscuro, viaja para essa cidadezinha perdida atrás das gêmeas. Logo fica conhecido por toda a sociedade local e é até mesmo recebido pelo manda-chuva local. Um dia, aparece esfaqueado em seu quarto, no hotel da cidade. Entram em cena o delegado Croce, cujos métodos de investigação não são nada ortodoxos, e um repórter da capital, Emilio Renzi. O principal suspeito do crime é preso: o melífluo empregado do hotel, de origem nipônica, amigo do morto. A partir daí, envolve-se na história o caso da fábrica de automóveis falida de Luca, meio irmão das gêmeas, um enorme empreendimento localizado nos arredores da cidade. Fechada a fábrica, Luca se tranca dentro dela, para desenvolver obscuros projetos e para tentar livrar a fábrica das garras de seus devedores, até que, no julgamento dos recursos impetrados por ele, para acertar com os credores, vê-se preso numa armadilha ética, ao perceber que sua salvação está ligada à condenação do acusado de matar Tony, cuja inocência já havia sido provada por Croce e desacreditada por seus inimigos. Toda a lógica da violência e toda a prepotência dos donos da situação pouco a pouco vêm à tona, num estudo magnífico do ser humano e suas misérias, do ser humano e suas utopias. A história policial serve de fundo a uma nova perspectiva sociológica e até filosófica sobre o poder. Sem dúvida, um livro que se lê com o prazer de um bom romance policial servido com a agudeza da observação dos caracteres humanos.


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