Retrato de um assassino: Jack, o Estripador: caso encerrado, Patricia Cornwell
Mais de um século depois dos assassinatos que abalaram Londres, Patricia Cornwell trava uma luta obstinada contra não só tempo, mas também contra o descaso para com os arquivos que contêm os inquéritos desse caso. No entanto, desde o início de uma longa narrativa, busca convencer-nos de que ela encerrou o caso: Jack, o Estripador é o pintor Walter Sickert, sem nenhuma dúvida. Sickert foi considerado na segunda metade do século XX como um dos maiores pintores da Inglaterra. Nasceu na Alemanha, em 1860, mas muito cedo radicou-se na Inglaterra. Os crimes mais famosos de Jack, o Estripador, ocorreram em 1888. Era um homem bonito e tinha uma vida errática pelos bairros de Londres, frequentando teatros e alugando estúdios mais ou menos secretos em vários dos lugares mais pobres da cidade, tendo o hábito de vagar pelas ruas nas noites frias e nevoentas. Casou-se com uma mulher 15 anos mais velha, cuja fortuna sustentava sua vida de boêmia. A vida do casal era bastante estranha, para se dizer o mínimo: conviviam um com outro muito pouco, pois Sickert passava dias e semanas longe de sua casa, o que acabou levando a que se divorciassem por volta da virada do século. Aluno, por alguns anos de James Abbott McNeill Whistler, participou do movimento simbolista da pintura. Não há provas concretas de que Sickert seja o frio assassino das prostitutas das ruas de Londres em 1888, primeiro porque os inquéritos da época eram ainda muito toscos, sem nenhum cuidado com as provas; segundo, porque qualquer possibilidade de identificá-lo como o assassino através de técnicas modernas, como o DNA, se dissiparam quando seu corpo foi incinerado, após sua morte em 1942. As centenas de cartas que Jack escreveu para a imprensa e para a polícia, zombando das técnicas de investigação, dando pistas ou fazendo promessas – que ele cumpria, muitas vezes – permitiram à autora fazer um trabalho de análise de caligrafia, estilo etc. que sustenta as suspeitas da tese de terem sido escritas por Sickert, apesar de sua habilidade em disfarçar a letra e colocar remetentes e endereços falsos. A autora faz uma trabalho realmente notável de levantamento de dados da vida do pintor, de suas andanças, de suas manias e idiossincrasias e de seu método de eviscerar as vítimas, quase todas prostitutas pobres. As descrições do estado dos corpos nos colocam diante um assassino frio, calculista e extremamente desumano. Não se sabe se ele continuou matando durante sua longa existência, principalmente depois que ele se muda para a França, porque os poucos casos semelhantes que chegaram à imprensa não tiveram a repercussão da série de assassinatos de 1888: o nome de Jack, o Estripador já estava esquecido a partir dos primeiros anos do século XX. Há um outro aspecto no livro de Cornwell digno de se notar: a descrição da situação de Londres naquele final de século XIX. Abre-se diante de nós o panorama de uma cidade suja, fedida, mal iluminada, habitada por milhares e milhares de seres humanos vivendo na mais extrema pobreza, em cortiços e casas de cômodos precários. A prostituição era, quase sempre, a única saída para as mulheres miseráveis, abandonadas por seus companheiros, tendo filhos para criar, que a autora chama de Infelizes, assim, com letra maiúscula, para realçar a sua luta pela sobrevivência. Enfim, um livro que leva pelos caminhos mais sórdidos da espécie humana e nos deixa na boca o gosto amargo de pensar que possam existir seres humanos como Jack/Sickert, que mergulham no fosso mais profundo da sordidez para satisfazer seus instintos assassinos. Se há controvérsias – e ainda há! – sobre a identidade do famoso estripador de Londres, a longa e obsessiva exposição da autora abre uma perspectiva bastante plausível e possível.
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