quinta-feira, 4 de agosto de 2022

As doenças do Brasil, Walter Hugo Mãe

 As doenças do Brasil, Walter Hugo Mãe


A história deste livro é uma fábula que trata da aproximação entre índios, brancos e negros, num tempo e espaço míticos do início da colonização. Para isso, o autor cria uma linguagem que cria a ficção ou uma ficção que cria uma linguagem. Não há propriamente invenções lexicais, como, por exemplo, em Guimarães Rosa, mas a ressignificação do léxico para criar um certo estranhamento e nos fazer viajar pela saga da aldeia fictícia dos abaeté e suas personagens de nomes metafóricos, a começar pelo protagonista, que recebe o sugestivo nome de Honra, um índio mestiço, nascido do estupro de sua mãe por um homem branco. Toda a fábula é contada, portanto, do ponto de vista de Honra, o jovem quase branco que a tribo incialmente estranha e rejeita. Como um herói trágico – no sentido grego do termo – tem uma vontade que se volta contra ele: encontrar e matar o branco que é seu pai, cujas feições a mãe reconhece nas feições do filho. Para tal, conta com a ajuda de outro adolescente, um negro que é capturado pela tribo, fugitivo do cativeiro. Depois de vencidas todas as desconfianças e de uma peripécia que os capacita como guerreiros (terem matado um branco na floresta e capturado sua arma), os dois jovens – Honra e Meio da Noite (o nome que a tribo dá ao negro) tornam-se amigos e partem para a jornada de vingança contra os brancos e a libertação dos escravos. Mas o encontro de Honra com o pai de sangue não tem o desfecho que ele exatamente desejava, o que irá justificar o nome que recebeu da tribo. Não é um livro fácil de ser lido – o que o próprio autor reconheceu numa entrevista na televisão –, já que a linguagem parece incialmente muito cifrada, mas logo que nos habituamos a ela, podemos acompanhar a saga de Honra e Meio da Noite com o prazer da descoberta a cada parágrafo de um mundo fabular e mítico que nos ajuda a compreender nossas origens.


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