As guerrilheiras, Monique Wittig
Não há nada de convencional, neste romance. Não tem enredo. Não tem personagens que carreguem uma história. Nem estrutura de romance ele tem. Pode causar muitas estranhezas e até, em alguns leitores, um certo desconforto. No entanto, eu li com prazer e deixei-me levar por sua linguagem. Porque seu grande mérito está nisto: uma linguagem poética e metafórica de grande beleza e que me envolveu do princípio ao fim. Acho (e talvez essa visão meio esquemática não seja a melhor) que se pode dividir o romance em duas partes. A primeira apresenta-nos quadros extáticos, poéticos, separados por uma lista de nomes femininos. Corpos, corpos e corpos. De mulheres, claro, pois se trata de um profundo, poético e atormentado manifesto feminista. Seios, pernas, braços, vulvas, reflexões. Pedaços de vidas, como refletidos em pedaços de espelhos partidos. Beleza pura. Sempre numa linguagem simples, porém simbólica e poética. A segunda parte, com a mesma divisão de quadros intercalados a lista de nomes femininos, já esses quadros ganham movimento: batalhas, sangue, ataques e defesas, vitórias e derrotas. Às vezes, o inimigo se rende à luta delas, das mulheres, às suas armas estranhas e às suas táticas ainda mais estranhas e complexas, e surgem cantos de guerra e cantos de vitória e cantos de liberdade. Ainda sempre a linguagem metafórica, poética. Sim, não é um livro fácil. Mergulhar em seus meandros exige entrega. Nem sempre compreendemos bem suas metáforas, já que isso exigiria mergulhar na exegese da linguagem da autora, que faz uma colagem de dezenas de autores de todas as épocas, para recriar lendas vistas sempre sob o ponto de vista masculino, para uma feminilização estilística e filosófica da luta das mulheres de todos os tempos pela libertação do jugo masculino, pela igualdade entre os sexos. Porque está nas entrelinhas e na linguagem poética e profética da autora, na beleza de um enredo que não existe a não ser que o leitor o crie em sua mente, esse manifesto, esse romance não-romance, é considerado um dos textos feministas mais lidos do século XX.
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