Crônica de uma morte anunciada, Gabriel García Marquez
Este é um livro que nos “pega” já na primeira linha: “Santiago Nasar irá morrer no dia após o casamento dos jovens Bayardo San Roman e Angela Vicário, que foi celebrado com uma festa grandiosa, em que o noivo não poupou recursos.” A partir daí, acompanhamos a reconstituição do assassinato de Santiago Nasar pelos irmãos gêmeos da noiva, devolvida à família porque não era mais virgem. Um crime passional, daqueles que lavam a honra de uma família. Todos na vila sabiam que os gêmeos açougueiros tinham em suas mãos as facas com que retalhariam Santiago Nasar, o jovem rico e conquistador. Ninguém conseguiu evitar o crime, mesmo os que chegaram a avisá-lo de que iria morrer. Há uma espécie de complô sórdido e inconsciente de machismo a perpassar toda a história e toda a reconstituição detalhada do brutal assassinato, feita por um narrador desconhecido, talvez o próprio escritor, mais de vinte anos depois do evento. Aliás, o tempo, para Gabi, entrelaça-se em passado, presente e futuro, sem fronteiras, na narrativa, de modo praticamente imperceptível: vivemos os instantes anteriores à morte no momento mesmo em que tudo ocorre, assim como relembramos com o narrador os fatos reconstituídos. O mais importante, talvez, de toda a tenebrosa narrativa: Santiago Nasar merecia morrer? Teria sido ele seduzido Angela Vicario, a jovem pobre que se casa com o filho milionário de um herói nacional, que ingenuamente revela ao marido, na noite de núpcias, que não era mais virgem? Ele foi acusado, mas a dúvida permanece, a deixar claro o conservadorismo de uma sociedade preconceituosa e até mesmo vingativa. Paremos por aqui, para não antecipar demais os fatos que o leitor vai descobrindo aos poucos, na envolvente prosa de um dos maiores escritores de nossa latinidade sul-americana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário