Ficções do Interlúdio / 1 – Poemas completos de Alberto Caieiro
Dos heterônimos de Fernando Pessoa, Caieiro é o mais misterioso, em termos de filosofia, de pensar o mundo. Nega ser materialista, mas o é até o último fio de seus cabelos louros, mas que se acastanhavam, se faltava luz, na descrição de Álvaro de Campos. Ou talvez, não. Se você se lembra da emocionante declamação da Maria Bethânia de um de seus poemas – aquele, principalmente, em que fala de Jesus Cristo – esqueça. Não há nenhum sentimentalismo nele, apenas crítica ao cristianismo e ao próprio conceito de deus: “Diz-me muito mal de Deus. Diz que ele é um velho estúpido e doente, / sempre a escarrar no chão / e a dizer indecências”. O poema é um cântico a um certo humanismo, mas também aí escorregamos se dissermos que é ele humanista: tudo em sua poesia ressumbra a uma visão objetiva do mundo, extremamente objetiva. Para ele, as coisas são o que são no momento mesmo em que as vemos, pois serão outras quando a virmos de novo em outro momento, porque elas já se terão modificado, assim como nós já seremos outros. Complicado? Sim. A chave, talvez esteja nestes versos: “Sou um guardador de rebanhos. / O rebanho é os meus pensamentos / E os meus pensamentos são todos sensações”... Ser feliz, para Caieiro, é essa presentificação de tudo o que existe, de viver cada segundo como o definitivo, já que a natureza é o que é e nada se pode fazer para mudar tal realidade. Por isso, não tem percepção de sociedade nem de qualquer humanismo solidário. Não é, pois, um poeta humanista. Ler Caieiro é uma das experiências mais estranhas que podemos ter no mundo da poesia. Se, em Álvaro de Campos, por exemplo, identificamos um sentido filosófico de estranheza em relação ao mundo, de desconforto e desconfiança para com tudo, em Caieiro só encontramos a crítica à filosofia e ao pensar em tudo como tendo sentido, já que o sentido de tudo é não haver nenhum sentido: “Com filosofia não há árvores: há ideias apenas” e, quando se abre a janela, o que se pensou que fosse “nunca é o que se vê”. Sem dúvida, um poeta estranho, mas um grande, um enorme poeta, o mestre Alberto Caieiro.
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