Cidade nas nuvens, Anthony Doerr
Elaborado como um mosaico ou como um quebra-cabeças, “Cidade nas nuvens” traz em cada capítulo uma história com personagens e tempos completamente diferentes que, aos poucos, começam a fazer sentido e, quando isso acontece, descobrimos que estamos diante de uma história fantástica de amor ao livro. Assim, acompanhamos as seguintes histórias: uma adolescente, Konstance, viajando numa nave espacial no futuro mais ou menos distante, comandada por um inteligência artificial, em busca de um planeta que só será alcançado depois de mais de 500 anos de viagem, às voltas com o conhecimento reunido uma biblioteca digital fantástica; Zeno, um ex-combatente da guerra do Vietnã, tradutor de um livro antigo, cujas páginas deterioradas trazem apenas trechos e palavras soltas, numa cidadezinha do interior, Lakeport, estado de Idaho, ao mesmo tempo que dirige um pequeno grupo de alunos de uma escola pública nos ensaios de uma peça que tem como tema a história fantástica da personagem desse livro, um jovem grego chamado Ethos; neste mesmo tempo, 2020, e nesta mesma cidade, encontramos Seymour, um adolescente autista revoltado com a destruição de seu mundo, uma floresta ao lado de sua casa, por uma imobiliária; já em Constantinopla, entre os anos de 1439 e 1452, acompanhamos a vida de Anna, a garota que vive num ateliê de costura que conhece um copista que a ensina a ler e, então, ela e um amigo descobrem num castelo antigo tesouros da literatura antiga, entre eles um livro que ela levará e conservará para sempre, em sua vida, as aventuras fantásticas de um jovem grego chamado Ethos; na mesma época, na Europa, numa aldeia perdida nas montanhas, temos a história de Omeir, um menino que nasce com lábio leporino e cuja desconfiança dos habitantes de sua aldeia em relação a seu defeito físico o leva a isolar-se e, depois, a participar da marcha dos exércitos do sultão que vão sitiar Constantinopla. Todas as vidas são contadas de forma intercalada, alinhavadas pela história desse livro antigo, chamado “Cuconuvelândia” de Antônio Diógenes, cujos trechos permitem-nos saber da vida de Ethos, um jovem e ambicioso grego que deseja um sortilégio que o transforme num pássaro que o leve a conhecer a cidade nas nuvens, mas o feitiço dá errado e ele se transforma num burro e vive uma série de aventuras absurdas. É essa história fantástica, afinal, que vai unir todas as vidas díspares e todas as trajetórias desses personagens, ou seja, o livro, o fólio sobrevivente por séculos, por artes e artimanhas impossíveis e improváveis, torna-se, na verdade, o grande protagonista desse livro imenso, de 720 páginas, que nos prende a atenção desde o início e cujo final lamentamos que aconteça, talvez numa lembrança de histórias infinitas como as de mil e uma noites. E, se me permitam meus raros leitores um desabafo pessoal, termino esse comentário confessando minha paixão por livros e histórias que nos contam histórias de livros. Esse livro, o autor o dedica aos bibliotecários, mas, na verdade, é uma ode a todos os leitores e bibliófilos do mundo.
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