domingo, 2 de abril de 2023

Escravidão – volume 1 – Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares - Laurentino Gomes

 Escravidão – volume 1 – Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares – Laurentino Gomes


Esqueça a história dos livros didáticos. E mesmo com todas as tintas possíveis de realidade que os novos estudos sobre a história do Brasil, principalmente relacionados à escravidão negra, pode-se pensar que a realidade foi ainda muito mais cruel. Mas, esse breve comentário sobre esse livro notável não tem por objetivo julgar os historiadores que maquiaram e maquiam para nossos jovens (eu incluso, quando estudei história, matéria pela qual sou apaixonado, diletantemente apaixonado) os fatos tenebrosos do nosso passado. Laurentino Gomes, com seu estilo claro e objetivo, nos traça dois panoramas de arrepiar: o comércio de escravos desde o seu início e a as condições dos escravizados durante a viagem para a América, principalmente. O primeiro panorama histórico – o comércio de pessoas – não deixa dúvidas de que não há, durante os quatro séculos de compra e venda de escravos entre a África e a América, nenhum personagem, nenhuma instituição que se possa considerar inocente. Governos – de Portugal e de quase todos os países da Europa –, grandes personagens históricos dos chamados “descobrimentos” do final do século XV e início do século XVI, toda a nobreza, filósofos, escritores eminentes, a Igreja Católica Apostólica Romana e demais religiões da época, muitos reis e sobas da própria África – todos, absolutamente todos estavam direta ou indiretamente envolvidos no tráfico humano, ou recebiam de alguma forma algumas benesses desse quase sempre lucrativo negócio. Calcula-se que foram escravizados – em novos cálculos, um tanto mais precisos, com novas metodologias e tecnologias, já que os registros da época não são muito confiáveis – cerca de 12 milhões de africanos, trazidos para as Américas. Desse total, uma parte substancial veio para a “terra brasilis”. Os dados e as informações todas estão lá, é só ler o livro e se arrepiar. Quanto às condições de em que eram embarcados nos navios negreiros, verdadeiras prisões flutuantes, com mínimas condições sanitárias, o retrato é ainda mais assustador do que, romanticamente, descreve Castro Alves em seu poema “Navio Negreiro”. Calcula-se que cerca de 10% dos escravizados morriam durante a jornada para o novo continente, entre a captura e a chegada. Os corpos jogados ao mar transformavam as rotas dos navios negreiros em rotas de tubarões famintos em busca da carne desses seres humanos. Enfim, a saga da escravidão negra no Brasil tem, nesse primeiro volume de uma trilogia, o possivelmente mais verdadeiro retrato em cores vivas do horror que foi o comércio dos seres humanos que povoaram e construíram com sofrimento, com seu sangue, com suas vidas, o país que hoje teima em não reconhecer a dívida monstruosa que temos para com a população de origem negra que aqui vive e também com o continente africano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário