Escravidão – volume 2 – Da corrida do ouro em Minas Gerais até a chegada da corte de Dom João ao Brasil, Laurentino Gomes
Como apreciador e leitor de livros de História, tenho especial predileção pelo século XVIII da nossa era. Para mim, um ponto de mutação da humanidade, quando se aprofundam os conceitos humanísticos do Renascimento, quando há ainda imensas tradições medievais arraigadas na sociedade, ao mesmo tempo em que filósofos, escritores, cientistas, políticos etc. cozinham o caldo efervescente das revoluções sociais, econômicas e científicas que vão criar condições, no século XIX, para o desenvolvimento tecnológico do século XX. Se, no entanto, pudermos pespegar a esses três séculos um selo, uma palavra que os defina, sem dúvida, eu usaria a palavra “barbárie”, por mais paradoxal que seja. O ocidente – que é a porção do planeta de que estamos falando – mergulha nas guerras, nas conquistas e no crescimento populacional baseado em princípios bárbaros, dentre os quais a escravidão e o comércio de seres humanos, que somente são mitigados, em parte, no século XX, apesar de ter sido abolida a escravidão legalmente em 1888, no Brasil, o último país a fazê-lo. O segundo volume da saga escravista de Laurentino Gomes foca exatamente o século XVIII. O Brasil era ainda uma terra imensa e despovoada, com pouquíssimas vilas e cidades espalhadas em seu território. Portugal estava mergulhado em dívidas e guerras, precisando urgentemente de um desafogo para sua situação de miserabilidade, quando se descobrem ouro e diamantes na colônia, principalmente em Minas Gerais. Os portugueses sabiam fabricar açúcar (que fora o ouro dos tempos anteriores, agora sofrendo concorrência de outros países da América Central), mas eram insipientes em matéria de mineração. A solução veio da África, com a “importação” de milhares e milhares de negros escravizados e vendidos nos territórios africanos, que atulharam os navios negreiros nas rotas da miséria, do sofrimento e da morte do Atlântico, para fornecer mão de obra às minas de Minas Gerais que, em pouco mais de setenta anos, teve sua população várias vezes multiplicada. São inúmeras as histórias dessa população escravizada que povoou o país e encheu os cofres dos europeus, principalmente dos ingleses, através do pagamento por Portugal de suas dívidas e do contrabando e do saque de navios que levavam para o norte as nossas riquezas. São histórias do sangue negro que recupera as finanças da corte, pelo menos por um período, ao mesmo tempo que traz para o Brasil expertises de uma população africana que plantou aqui as sementes de nossa “civilização”, com todas as aspas devidas. E são devidas essas aspas principalmente pelo fato de que aos escravizados africanos arrancados de suas terras, provindos de várias etnias, devemos o que somos hoje, uma dívida que muitos ainda negam. Mas, sem dúvida alguma, só poderemos afirmar que nos transformamos num país menos bárbaro, quando superarmos as desigualdades sociais entre pretos, pardos, indígenas e brancos, e deixarmos de ser um povo racista. Ler “Escravidão”, a saga em três volumes (de que já foram publicados os dois primeiros) de Laurentino Gomes certamente contribui para que compreendamos nossa história e nos tornemos menos bárbaros.
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