sábado, 22 de abril de 2023

Tudo é rio, Carla Madeira

Tudo é rio, Carla Madeira

Começo plagiando Machado de Assis: só existem histórias velhas caiadas de novo. Foi mais ou menos essa a sensação que tive, quando iniciei a leitura do romance de estreia de Carla Madeira. Mesmo que a caiação, ou seja, o estilo e a forma narrativa da autora, tenha componentes estéticos diferenciadores: uma linguagem poética bem estruturada, o que torna a leitura uma agradável descoberta. Mas, a sensação de dejà vu aos poucos desvanece e a narrativa ganha foros de intrigante enredo: o triângulo amoroso que se desenha tem mais profundidade humana do que imaginamos inicialmente. A história gira em torno de duas mulheres antípodas, ambas com perfis detalhadamente traçados, muitas vezes com tintas fortes: Dalva e Lucy. A primeira é a filha de família tradicional, numa cidade do interior mineiro, recatada e “boa moça”. Apaixona-se ainda muito jovem pelo filho de um marceneiro, cujo pai tem fama de violento, e com ele acaba se casando. Já a segunda mulher, Lucy, perdeu os pais ainda muito menina e é criada pela tia num ambiente de competição com as duas filhas do casal. Muito jovem, descobre sua vocação: ser puta. Um acontecimento trágico marca a vida do casal Dalva e Venâncio e abre o leque do acaso e de a narrativa ganhar intensidade, quando esse fato leva ao estranho triângulo entre Lucy, Venâncio e Dalva. Algumas surpresas aguardam o leitor até a última página, sem que a autora deixe de conciliar sua linguagem lírica à realidade e ao destemor de dizer o que tem para dizer de forma nua e crua, sem sentimentalismo e com a habilidade dos bons escritores. Um livro forte, mas também muito agradável de ser lido.

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