quarta-feira, 21 de junho de 2023

A morte de Virgílio, Hernann Broch

A morte de Virgílio, Hernann Broch



Plagio Fernando Pessoa: leio até me arderem os olhos o livro de Herman Bloch, “A morte de Virgílio”. Porque não há outra forma de mergulhar no mundo onírico criado pelo escritor, através de um discurso reiterativo – ad infinitum -, numa linguagem insistentemente metafórica, em que a poesia e o inefável poético são levados ao extremo, o que eleva a obra à literatura em sua forma mais profunda e lírica, embora em prosa, pura prosa poética. Vamos ao prosaico: o poeta Virgílio chega a Brundísio, a bordo de um dos navios do imperador romano Augusto, instado por ele a voltar à Itália. Está doente e pressente o fim. Desembarca e, conduzido numa liteira pelas ruas enlouquecidas pela presença do imperador, empodrecidas de pobreza, no meio do populacho em festa, sua comitiva é guiada pelas ladeiras e pelos becos sujos por um garoto, Lisânias, carregando a comitiva um baú com os originais da Eneida, até o palácio, onde, acomodado, mergulha pela noite afora num longo, longuíssimo pesadelo, em que nos revela seus mais íntimos e complexos sentimentos, principalmente a ideia de que a Eneida não está concluída, mas precisa ser destruída. Ao amanhecer, recebe a visita de dois amigos que tentam dissuadi-lo da ideia de destruir sua obra e, mais tarde, a visita do próprio Augusto, também com o propósito de levá-lo a desistir desse desatino e entregar-lhe a obra. Virgílio não destrói a Eneida, claro. Como é dissuadido disso? A discussão com o imperador é longa, muito longa, cheia de revelações, de filosofia, de lembranças, de teorias e de impressões sobre o próprio ato de escrever e, ao final, você saberá como Augusto consegue convencê-lo a entregar-lhe os originais, mas é preciso ler o livro (não é uma revelação que eu faça aqui). E vale todo o esforço mergulhar nas páginas de discussão entre o poeta e o imperador, até o delírio final de Virgílio, quando novamente o autor nos leva para um mundo absurdo e onírico de uma construção ao mesmo tempo desafiadora e reveladora, dificilmente alcançada por outros autores, mesmo que coloquemos Broch entre os grandes prosadores de todos os tempos, em companhia de Cervantes, de Hugo, de Flaubert, de Zola, de Proust, de Mann, de Machado de Assis, de Rosa... a lista não é extensa, mas pode o leitor acrescentar a ela o seu autor preferido. Sem dúvida, é preciso ler até arder os olhos, para obter a recompensa final, de apreender e sonhar, de sonhar e desbravar uma obra tão complexa, desafiadora e, ao mesmo tempo, tão fascinante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário