Crônica da casa assassinada, Lúcio Cardoso
Um romance todo construído em overlap, isto é, cada capítulo nos remete a uma parte do enredo, como se seguíssemos, numa corrida de automóveis, um carro por vez, sabendo que há vários veículos em posições diferentes dessa corrida. E mais: cada overlap, ou seja, os capítulos não só se alternam, mas têm vários narradores, cada um com uma perspectiva própria da história, das personagens, dos possíveis acontecimentos. Um verdadeiro mosaico, que desafia a imaginação do leitor, com revelações que nos envolvem na vida de uma família do interior de Minas Gerais, um clã antigo e conservador que está num momento de total decadência de seus bens, de sua chácara/fazenda, com os valores morais carcomidos não só pelo tempo, mas também pela própria inércia e inatividade de seus membros. São três irmãos: o mais velho, Demétrio, está casado com Ana, uma jovem que foi preparada para ser a esposa exemplar desse herdeiro dos Meneses; o irmão do meio, Valdo, conhece no Rio de Janeiro sua futura mulher, Nina, que irá abalar toda a relação familiar e desencadear a ruína da casa senhorial; finalmente, Timóteo, o irmão mais novo, que vive trancado num quarto, vestido com as roupas antigas de sua mãe, morta há muito tempo, uma mulher que deixou na vida de todos uma marca indelével de liberdade que eles, os irmãos, não sabem como administrar, assim como não conseguem conservar seus bens e levar adiante a riqueza da família. São muitos os segredos, as desavenças, as intrigas, os amores interditos e os sentimentos de ódio ou de frustração que o autor, através dos depoimentos e cartas de vários personagens, envolvidos ou não na saga da família, vão desvelando aos nossos olhos de leitores cada vez mais mergulhados numa trama construída com a maestria dos grandes escritores. Não é, com certeza, um romance fácil de se ler, com suas mais de seiscentas páginas, mas, à medida que viramos cada página, torna-se impossível não se envolver cada vez mais no estilo rebuscado e poético do autor, no mergulho de amores proibidos, desvelados logo no primeiro capítulo, narrado pelo filho de Nina, André, talvez a personagem mais emblemática do livro, aquela que nos leva a pensar mais seriamente sobre a capacidade do ser humano de levar suas emoções ao clímax não sei se da maldade ou da incapacidade de não reconhecer seus erros. Uma obra prima, sem dúvida nenhuma, de nossa literatura.
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