quinta-feira, 20 de julho de 2023

A Cidade e os Cachorros, Mario Vargas Llosa

 A Cidade e os Cachorros, Mario Vargas Llosa


Inicialmente, duas informações: a ação do romance se passa num colégio militar na cidade de Lima, no Peru; e os cachorros do título referem-se, não aos animais, mas aos internos recém-chegados, ou seja, aos calouros. Os protagonistas e os personagens são quase todos garotos entre 13 e 16 anos, enviados a esse colégio por seus pais autoritários, que os querem transformados em “homens”, muitos de origem humilde, com problemas enormes de sobrevivência, de pequenos atos de delinquência ou simplesmente de conflitos familiares. No tal colégio, sob rígida disciplina militar, constituem, no entanto, códigos próprios para burlar essa disciplina, ao mesmo tempo que os mais novatos, os calouros, ou “cachorros”, são humilhados e tratados com crueldade pelos mais velhos. Nesse meio hostil, alguns rapazes se reúnem para formar um grupo de oposição a esse tratamento ameaçador dos veteranos, o Círculo. Mas, num meio violento, a violência acaba se normalizando, e mesmo os membros desse grupo também se tornam violentos. E será essa violência levada ao extremo, quando códigos de conduta rigidamente adotados por eles parecem ser quebrados e os jovens passam por duras provas de amadurecimento. A estrutura do romance é construída em overlaps: as histórias de cada personagem, inclusive suas vidas pregressas, são intercaladas, formando um mosaico que vai levando o leitor a compor pouco a pouco em sua mente um quadro de relações complexas de amizades, de ódios, de amores frustrados, de encontros e desencontros, de dramas familiares, sob vários pontos de vista, com vários narradores ou várias narrativas. Sem dúvida, uma crítica contundente ao regime de internato, principalmente quando comandado por militares que só se preocupam com a disciplina e não exatamente com a formação de cidadãos responsáveis, cuja leitura deveria ser feita por todos aqueles que (extrapolando as lições do romance para nossos dias e nosso país) defendem a criação e manutenção de escolas cívico-militares. Que essa gente fique longe de nossos jovens, não têm nada a ensinar a não ser a disciplina inútil de ordem unida e marchas sem sentido. Quando são colocados diante de dilemas éticos, como acontece em relação a um fato crucial do romance, os militares colocam seus interesses e sua sobrevivência acima de qualquer prurido humanitário. Como primeiro romance do grande escritor peruano, esse é, sem dúvida, um cartão de apresentação que não deixa nenhuma dúvida de que já estamos diante da revelação de um escritor que alcançará grande projeção internacional.

Nenhum comentário:

Postar um comentário