sexta-feira, 14 de julho de 2023

Ideias para adiar o fim do mundo, Ailton Krenak

Ideias para adiar o fim do mundo, Ailton Krenak


Da vida pré-cabralina de nossos povos originários quase nada conhecemos, porque não dominavam eles a escrita. Podemos apenas deduzir, a partir de pouquíssimos indícios e, depois, através das narrativas provenientes dos primeiros contatos com os europeus, quando os usos e costumes estavam preservados. Não tinham eles o que chamamos de “civilização”, ou seja, não construíram cidades nem se organizaram em impérios, como, por exemplo, os maias, na América Central. Talvez por isso mesmo (e isso é algo que eu penso), preservaram rios, florestas e animais, num processo de integração total com a natureza, ao contrário dos maias, que ergueram cidades e impérios, exaurindo a natureza de tal modo, que acabaram se tornando vítimas exemplares do que, num microcosmo, a região central da América, pode acontecer ao ser humano, em termos globais, se não cuidar da casa onde vive. E é essa a preocupação dos remanescentes de nossos indígenas, em alertas de sabedoria com relação ao meio ambiente. Ailton Krenak, nascido no vale do rio Doce, onde ocorreu um dos maiores crimes ecológicos de nossa história, sabe muito bem da potência da sabedoria dos ancestrais, quando diz que a humanidade não é algo separado da natureza, que a ela estamos integrados, a tal ponto que precisamos reconhecer que, “quando um rio está em coma, é ele o nosso avô que está morrendo, e nós estamos morrendo com ele. Para ele, o desastre ambiental de nossa era, chamada de Antropoceno (que, segundo alguns, em se tratando de era geológica, pode ter tido seu início com o homo sapiens), está na nossa resistência em não perceber essa integração, em privilegiar o consumismo, em não ressignificar nossa existência e refrear essa marcha absurda para o abismo. Diz ele: "Nosso tempo é especialista em produzir ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar e de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta e faz chover. [...] Minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história." Diante disso, de tudo quanto nossos povos ancestrais nos legaram de sabedoria, não posso dizer que tenha ficado surpreso ao ler esse livro, pelo contrário, devo afirmar que tudo quanto ali está escrito me encantou e me deixou orgulhoso de que há ainda povos, grupos e pessoas que nos alertam para as besteiras que andamos fazendo com nossa casa, com essa casca de noz em que vivemos. Devo acrescentar que, sim, a Terra pode se regenerar sozinha, mas provavelmente só depois que se tiver livrado de nós. Em alguns séculos ou milênios, os rios, as florestas, muitos animais, o clima, tudo poderá ganhar nova vida. Apenas, não estaremos lá para testemunhar, para “contar mais uma história”. A luta, portanto, não é apenas para preservar o meio ambiente, mas para nos salvar enquanto humanidade.

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