O Processo Civilizador 2 – Formação do Estado e Civilização, Norbert Elias
No primeiro volume de “O processo civilizador”, Norbert Elias foca a evolução ou mudança dos costumes nas cortes e sua contaminação para outros estratos da sociedade, num lento processo que começa nos séculos X e XI. Neste volume, bem mais complexo, o assunto é como se formou o estado moderno, a partir de reinados que se disseminavam por toda a Europa, sem ainda qualquer noção de país ou nação, em que os reis que conquistavam porções de território, através do uso da força, tinham de premiar seus principais seguidores com porções de terra, tornando-os suseranos de vários feudos. O problema é que esses senhores feudais acabavam por se tornar também poderosos e ameaçavam a autoridade real, o que levou muitos soberanos a distribuir terras somente a parentes e amigos, o que também não resolveu o problema, já que parentes e amigos eram também os que o traíam e conseguiam, muitas vezes, não só ameaçar seu território mas tomá-lo e, por sua vez, também ser engolidos por outros reis mais fortes num processo complexo de guerras e lutas não só intestinas, mas também contra inimigos externos. Lentamente, a partir dos séculos IX, X e XI até praticamente o século XIX, foram-se fixando os reinados absolutistas, em que o poder se concentrou cada vez mais sob um único rei de vastos territórios, formando o que hoje conhecemos como nações. As cortes desses reis ganharam, também pouco a pouco, relevância cada vez maior, no processo de transformação dos cavaleiros armados e dispostos sempre a tomar o que queriam através da força, do assassinato, do estupro, em homens da corte, onde as lutas se restringiam a intrigas para ganhar prestígio junto ao soberano, e o que valia eram os quesitos de polidez – la societé polie. A divisão de classes é clara na máxima de um autor da época: “existem os que trabalham, existem os que rezam e existem os que gozam” – os vassalos, o clero e a nobreza -, numa economia baseada exclusivamente no escambo. No entanto, a partir do século XI, surge uma nova classe, a dos burgueses, moradores das cidades que começam a ganhar relevância e a modificar não só economia, com o aumento paulatino do uso de moeda, e não só do escambo, mas também os costumes, pela sede de ascensão social de muitos de seus membros, que se tornam “especialistas” em algum dos processos administrativos, para os quais os nobres torciam o nariz (trabalho, para eles, era um total desprestígio) e começam a tomar lugar de destaque nas cortes. O sistema civilizatório, que não depende de nenhuma vontade, como deixa claro o autor, trança suas complexas engrenagens para a formação de um novo ser humano e de uma nova teia de relações sociais e políticas que emergem lentamente desde os primórdios da alta idade média, passa pelo renascimento e chega ao século XIX e XX. Mas, alerta ainda Norbert Elias, a civilização, ou melhor, o ser humano realmente civilizado, ainda está muito distante de existir, porque, embora tenhamos evoluído durante todos esses séculos, ainda há muitos estranhamentos na convivência humana, e ainda estamos distantes de que esse processo chegue ao menos a um nível daquilo que possamos chamar de civilização. Enfim, o assunto é bastante complexo, a leitura do livro é lenta e, às vezes, penosa, para quem, como eu, que não conhece a fundo a história política e social da Europa, e tem do assunto apenas o básico. No entanto, mesmo com todas as dificuldades de compreensão total das ideias e hipóteses a respeito do processo civilizador – pessoal, político e social – do ser humano, aprendemos muito sobre nós mesmos e conseguimos estrair muitas lições para compreender o momento em que vivemos, lembrando sempre que o texto foi escrito na década de 30, durante a ascensão do regime nazista.
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