A fúria e outros contos, Silvina Ocampo
Os contos são curtos, algumas páginas apenas, mas densos, muito densos. E mais do que densos, estranhos. A autora nos oferece, em cada conto, em frases mais ou menos curtas, pedaços de informação que aos poucos vão fazendo sentido, à medida que as personagens se delineiam. Aliás, é difícil falar em personagens nos contos de Silvina Ocampo: talvez fosse mais certo falar em seres. Seres que se debatem entre a “inocência” (com todas as aspas possíveis, já que muitos desses seres são crianças) e a crueldade, num universo a que somos convidados a entrar, em cada história, com algum tipo de horror, ainda que um horror construído com elegância e, às vezes, algum excesso. Podíamos pensar que se trata de algo parecido com o “realismo mágico”, mas não há magia, apenas a maldade humana descrita de forma alucinada e surpreendente, nas histórias que nos levam para cenários nem sempre muito claros dos subúrbios de Buenos Aires ou de longínquas províncias da Argentina. Ressalte-se ainda a melodramaticidade de cada conto, entendendo o melodrama como (conforme lição de mestre Chico de Assis) “a inversão do fluxo dramático da plateia para o palco”, no caso, dos enredos dramáticos dos contos para a imaginação do leitor, já que quase sempre eles não apresentam um desfecho, deixando ao leitor a tarefa de complementar a história; ou ainda, deixando vácuos sintagmáticos, ou seja, vazios no enredo, pequenos saltos na história, que o leitor preenche com sua imaginação. Sem dúvida, um exercício de leitura que se transforma numa experiência literária radical, para leitores mais sensíveis. Cabe destacar que a autora, que foi esposa de Bioy Casares, o mais íntimo amigo e parceiro literário de Jorge Luis Borges, forma com eles um time de primeira linha da literatura argentina, quiçá da literatura hispano-americana.
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