Sagrada família, Zuenir Ventura
Melodrama não é um drama meloso, que nos leva às lágrimas. Mas, tecnicamente falando, melodrama é drama que inverte o fluxo narrativo do palco para a plateia, ou seja, o drama que deixa lacunas que permitem ao espectador preencher essas lacunas com sua imaginação. Isso, em teatro. E também no cinema. Alfred Hitchcock era o rei dos melodramas. Ou seja, nesse tipo de drama, as personagens nunca são exatamente aquilo que parecem, elas nos enganam. O enredo nos leva também a julgamentos falsos, a imaginar coisas que não existem ou são diferentes daquilo que realmente são. Este livro, “Sagrada família”, se fosse teatro, seria um melodrama. Como é literatura, é só uma história aparentemente inocente de uma família do interior. Cenário: Florida, uma cidade fictícia da região serrana do Estado do Rio de Janeiro. Ali, o narrador, no começo da história, com apenas 9 anos, ao acompanhar sua tia Nonoca, uma viúva de 37 anos, à farmácia, para tomar uma injeção, descobre por acaso que há muito mais coisas envolvidas nessa simples injeção. Ameaçado a não contar nada a ninguém, o narrador vai acompanhando a vida das duas filhas de sua tia, Cotinha e Leninha, a partir de seus 14 e 15 anos, seus namoros, suas paixões, seus amores platônicos, suas decepções, até o casamento de Cotinha com um policial de grande beleza e as consequências dessa união. E também, com uma certa delicada ironia, vai nos revelando todas as fofocas de uma sociedade extremamente conservadora e hipócrita de uma cidade do interior, como centenas de outras, por esses brasis a fora, na década de 40, em plena ditadura getulista. A história dessas duas moças só terá um desenlace melodramático 50 anos depois, quando o narrador fica sabendo de fatos até então mantidos em segredo. Um romance curto, para se ler quase que de um só fôlego, num fim de semana, mas muito prazeroso, pelo estilo leve e direto do autor, que nos revela ser mais ou menos autobiográfico: para evitar problemas familiares, trocou nomes e inventou episódios e romanceou outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário