terça-feira, 7 de novembro de 2023

O rei branco, Gyorgy Dragomán

O rei branco, Gyorgy Dragomán


O cenário: o subúrbio da “mais bela cidade do mundo”, no Leste Europeu, atrás da Cortina de Ferro; narrador: Dzátà, um garoto de 11 anos. A polícia do estado levou seu pai para trabalhos forçados nas obras do Rio Danúbio. Por quê? O menino não sabe. Apenas o seu inconformismo e a saudade imensa do pai afloram na narrativa. Enquanto aguarda, ou melhor, deseja a volta paterna, o garoto conta seus perrengues de órfão, sua relação com os colegas, as travessuras próprias de sua idade, entretendo-se com aventuras complicadas e perigosas, com jogos de guerra nos campos de trigo, contra moleques mais velhos e mais fortes; as constantes surras desses mesmos moleques ou dos adultos, muitos deles seus professores autoritários e violentos; os campeonatos de futebol entre as escolas, sempre decididos de acordo com interesses políticos; a relação complicada com os avós, principalmente com o avô paterno, um ex-dirigente partidário de prestígio, que ele vê apenas duas vezes ao ano... E sempre, a saudade e as lembranças do pai, as dúvidas em relação ao motivo de sua prisão, principalmente ao presenciar o desespero da mãe nas tentativas, sempre frustradas, de saber pelo menos notícias do marido. Os capítulos são quase narrativas isoladas, em que o garoto-narrador revela algumas de suas traquinagens ou um pedaço de sua vida atribulada. Dois capítulos me chamaram a atenção, nessa narrativa entrecortada: aquele em que o avô praticamente sequestra o garoto e leva-o ao alto de uma colina, de onde se avista toda a cidade, e lhe diz que é “a mais bela cidade do mundo”, mas que o garoto deve reter sua imagem na memoria e prometer que vai abandoná-la para sempre, assim que puder; e aquele em que ele narra o funeral do avô: não vou entrar em detalhes, mas é uma das páginas mais belas da literatura europeia, em termos de protesto contra o totalitarismo, em tons emocionais e humanos e com detalhes que só podiam ser captados pelos olhos de um menino, agora aos 12 anos. O húngaro Gyorgy Dragomán mostra, embora não só neste capítulo, mas em todo o livro, por que é ganhador de prêmios importantes, na sua terra e na Europa, e por que é considerado um dos grandes escritores do nosso tempo.

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