Minha vida de rata, Joyce Carol Oates
O assassinato é um dos crimes mais terríveis que comete o ser humano contra outro ser humano. Em qualquer circunstância, exige que o assassino conheça a vítima ou tenha contato com ela. Não há justificativa para um assassinato, mesmo que haja circunstâncias juridicamente atenuantes. E não é sobre isso que quero comentar, ao escrever sobre o livro “Minha vida de rata”. Mas, ainda preciso dizer algo antes: na ocorrência de um crime de morte, o foco da polícia, da mídia, do judiciário recai sobre o assassino e também sobre a vítima e seus familiares e amigos, que são destroçados pelo ato insano. E sofrem. Esquece-se que o assassino também tem família e amigos, que também são, muitas vezes, destroçados. E também sofrem as consequências. No livro que comento, o foco é a família dos assassinos, principalmente a narradora, que inicia sua história com a idade de 13 anos. Um breve resumo: Violet Rue é filha de irlandeses, numa pequena localidade às margens do rio Niágara, nos Estados Unidos. Tem mais cinco irmãos, duas meninas e três rapazes, mais velhos. Dois desses rapazes, de 15 e 17 anos, respectivamente, cometem um bárbaro assassinato contra um jovem negro da comunidade. O crime só é desvendado, porque Violet viu seus irmãos tentar esconder as pistas, principalmente um taco de basebol do pai, que eles enterram próximo ao rio, e porque um deles, Lionel, não só a ameaçou, como a agrediu para nada contar à polícia. Ferida, assustada, a menina acaba confessando tudo o que viu. Seus irmãos são presos e condenados. Um deles acaba morto na prisão. O outro, Lionel, cumpre 13 anos de prisão, sem que nenhum recurso obtenha resultado para soltá-lo. Nem mesmo consegue liberdade condicional. A família se destroça, nos gastos com advogados. E o pior: passa a odiar a menina, considerada traidora, a “rata”, a “puta”. Violet é afastada dos pais, dos irmãos e vai viver longe, com um casal de tios, o que condiciona todo o resto de sua vida, sempre com a suspeita da ameaça do irmão que, ao sair da prisão, pode matá-la. O livro é a trajetória dessa garota, numa narrativa lenta, sufocante, terrível, até o desfecho final. Pouco se fala da vítima, o jovem negro, principalmente porque o ponto de vista do romance é sempre o de Violet, e ela pouco conheceu o rapaz barbaramente assassinado, embora leve para sempre o estigma de sua morte, no sobrenome de sua família. Realmente, um livro surpreendente, que foge ao estereótipo de “crime e castigo”, dessa grande autora estadunidense, Joyce Carol Oates, que nos leva aos mais recônditos escaninhos da maldade humana que se esconde no íntimo da base da sociedade, a família. E, claro, ao racismo estúpido e violento que aflora cada vez mais neste mundo ameaçado por forças reacionárias que deviam ter sido extintas há muito.
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