quinta-feira, 14 de março de 2024

Big Sur, Jack Kerouac

 Big Sur, Jack Kerouac


Impossível separar a ficção, ou pretensa ficção, de Kerouac de sua vida pessoal, marcada, principalmente pelo alcoolismo. Neste livro, Big Sur, o autor volta a escrever sobre seus temores e seus fantasmas, durante o período em que ele passou em retiro numa cabana do amigo e poeta beat Lawrence Ferlinghetti, na região de Big Sur, na costa da Califórnia. Na verdade, ele relata dois períodos: no primeiro, sozinho, convivendo apenas com suas neuroses e sua mente conturbada pelo álcool; no segundo, ele volta à cabana em companhia da amante Billie e seu filho, uma criança apegada à mãe e muito birrenta, e também um casal de amigos. A decadência física e mental do autor é retratada por ele mesmo na forma de uma escrita até mais radical do que no romance que o consagrou, On the road: um processo pensadamente caótico, em que o fluxo da consciência se abre para todos os seus dramas pessoais, suas dúvidas existenciais, seus temores e até mesmo uma certa religiosidade confusa e mal resolvida. Muitos nomes da geração beat comparecem na narrativa, com nomes inventados, como Neal Cassady (Cody Pomeray), Carolyn Cassady (Evelyn), Gary Snider (Jarry Wagner), Lenore Kandel (Romana) etc. Em seus delírios, na busca de algo que ele não sabe mais o que é, quando não mais tem domínio de si mesmo, perdido em litros e litros de vinho e outras bebidas, há uma verdade profunda e corajosa, até mesmo aterrorizante, na sua capacidade de autoflagelação literária, sem meias palavras, num dos documentos mais audaciosos da capacidade de um escritor de se desnudar diante de seus leitores, talvez só comparável a Henry Miller, em sua trilogia da Crucificação Encarnada (Sexus, Plexus e Nexus). Ao final do livro, há um longo e também caótico poema onomatopaico e cheio de invenções léxicas que ele escreveu durante seus dias de solidão em Big Sur, para dar sua interpretação do mar, presença constante na obra, assim como o riacho onde ele bebe água, muita água. A água, do mar e do riacho, como uma espécie de metáfora de sua tentativa de se purificar. Sem dúvida, um livro para se ler com a comoção de encontrar não só um grande escritor, mas principalmente um ser humano complexo e extremamente corajoso em sua prosa confessional.

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