Jardim de inverno, Zélia Gattai
Relatos de exílio são, muitas vezes, histórias de saudades da pátria, de perrengues, de superação etc. Não é o caso de Zélia Gattai: seu livro trata do exílio a que se viram forçados ela e o marido, Jorge Amado, no final dos anos 40, início dos 50 do século passado, mas não tem saudosismo nem lamentações. Há dificuldades, sim, mas sempre narradas com leveza e um certo humor, que perpassam toda a obra, o que a torna uma leitura muito agradável. Agradável porque, além das histórias de rotinas de vida e casos engraçados e interessantes, há o relato de suas viagens, a convivência com muitos artistas, escritores, poetas, como Picasso, Pablo Neruda, Nicolás Guillén e muitos outros. São todos amigos do casal, são todos comunistas. E o comunismo está presente em toda a narrativa, já que ambos foram acolhidos pela Tchecoslováquia, depois de serem expulsos da França, em 1949. Ali vivem até 1952, num castelo próximo de Praga, de propriedade da União de Escritores daquele país. Jorge Amado exilou-se por motivos políticos, durante o governo Dutra, quando o Partido Comunista, depois de um breve período de legalidade, foi colocado de novo na clandestinidade. Zélia descreve com detalhes a vida do casal, o crescimento de seu filho João, que era ainda um bebê, ao chegarem lá, seu desenvolvimento e sua complicação com as várias línguas e depois o nascimento da filha, Paloma. Destaque especial para as viagens, sempre por motivos literários ou políticos, cumprindo agenda das atividades internacionais de Jorge Amado ou a agenda do Partido Comunista: Inglaterra, Moscou e depois a China. Essa última, uma viagem de sonhos para a autora, desde o embarque no famoso trem Transiberiano até as experiências com os escritores e o povo chinês, num momento em que a China começava um longo período conturbado do regime socialista há pouco implantado, quando o culto à personalidade de Mao Tsé-Tung vai desaguar na chamada Revolução Cultural, que Zélia vê com olhos bem críticos, porque perdeu nesse período vários amigos escritores, nos processos de delação e expurgo que o Partido Comunista chinês levou a cabo. Mesmo depois que voltam ao Brasil, a autora ainda avança um pouco na narrativa, ao relatar a participação do casal, ao lado de Pablo Neruda, no Congresso Mundial da Paz, realizado no Ceilão, em 1957; a Salvador, na Bahia, em 1968, quando receberam a visita de Roman Polanski; e ainda ao ano de 1984, em Paris, quando Jorge Amado é reabilitado pelo governo francês, ao condecorá-lo com a Legião de Honra. Enfim, mesmo que não goste dos comunistas como eu gosto, você pode ler com prazer essa narrativa de uma mulher que, casada com um dos maiores e mais famosos escritores do Brasil, não se deixou eclipsar pela luz do marido e construiu uma prosa memorialista com um humor delicado e pontuado de muita verdade, digna dos bons narradores desse gênero literário.
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