terça-feira, 3 de setembro de 2024

A guerra do fim do mundo, Mario Vargas Llosa

 

A guerra do fim do mundo, Mario Vargas Llosa


A “guerra” de Canudos – ou deveríamos dizer “o massacre de Canudos” – está no imaginário brasileiro. Mas, quem foi realmente Antônio Conselheiro? O que os chamados “jagunços” de Canudos realmente pensavam, como agiam, por que seguiam cegamente às ordens do “profeta”? Alguns detalhes para melhor compreensão: o Conselheiro exigia, para entrar para sua “seita” ou “bando”, primeiramente e fundamentalmente, que os indivíduos se arrependessem de seus pecados. E mais: seus seguidores tinham que ser monarquistas, abjurar, portanto, a república; também tinham que ser contra o censo e o casamento civil. Conselheiro era monarquista porque a monarquia havia libertado os escravos, e a república queria de volta a escravatura através do censo, quando saberiam quantos e onde estariam os ex-escravizados. O mais de sua filosofia religiosa tinha a ver com um certo sebastianismo, além da luta contra todas as desigualdades sociais e do extremismo religioso que o levava a aceitar somente o casamento religioso. No entanto, o que se contava pelo Brasil afora é que os fanáticos de Canudos eram financiados pela Inglaterra, por isso tinham tantas armas, e pretendiam derrubar o governo republicano. Três expedições militares fracassaram na tentativa de derrotar os moradores de Canudos e, na sua fuga, esses militares acabaram deixando para trás os armamentos que municiaram os seguidores do Conselheiro, além das muitas armas que roubavam dos militares, com mil estratagemas, durante as refregas. Não havia, portanto, nenhum estrangeiro a enviar armas e munições para Canudos. Nem o Conselheiro pretendia simplesmente “derrubar a república”, dar um golpe de estado. Diante desse cenário, Vargas Llosa fez uma extensa pesquisa de campo e de documentos, para reescrever e reinterpretar a história da “guerra de Canudos”. Lança mão de sua poderosa imaginação para misturar personagens reais e fictícios e nos levar aos detalhes e aos meandros das vidas – tanto de militares quanto de “jagunços” - envolvidas nesse episódio no mínimo grotesco de milhares de militares armados até os dentes se lançarem à destruição de um povoado que, dizem, chegou a ter 30.000 pessoas, simplesmente baseados em boatos. Se as três primeiras expedições fracassaram, a quarta promoveu uma carnificina, que terminou com a morte de milhares de pessoas e de centenas de militares. Em busca de respostas à pergunta “por que tantos seguiam e davam a vida ao Conselheiro”, o autor desse fantástico romance histórico conduz-nos ao âmago da questão, na última linha do romance, quando uma velha esquálida responde ao oficial da polícia baiana que passara muitos e muitos anos tentando prender o mais temido e cruel bandoleiro da região, que estava acoitado em Canudos, se ele morrera e ela responde que não; “então ele escapou”, reitera o militar, mas a velha reafirma que não: o cangaceiro (que era um dos braços direitos do profeta) “foi levado aos céus por um bando de arcanjos, eu vi”. Creio que isso explica quase tudo sobre o bando de fanáticos de Antônio Conselheiro, cujo corpo, desenterrado pelas tropas, teve a cabeça decepada e enviada para a capital, para ser estudada, não tendo sido encontrado nada de especial em seu crânio. Mais uma história, dentre milhares, de nossa eterna mania de cortar cabeças. E, para encerrar: não é um livro para estômagos fracos, mas é talvez uma das obras mais impactantes que já li, que me perdoe o grande Euclides da Cunha, sendo ainda “Os Sertões” uma obra fundamental de nossa formação histórica.

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