Manual prático do ódio, Ferréz
A história se passa em 2002, ano em que País vivia um momento complicado: as taxas de desemprego eram muito altas, muitos trabalhadores entravam naquilo que os economistas denominam de desalentados. Pobreza, muita pobreza. E violência. E aqui está o primeiro ponto crucial para se ler e entender hoje esse livro polêmico, a começar pelo título: não creio que o autor pretendesse defender como causa da violência a pobreza extrema ou as extremas dificuldades das personagens, que vivem num bairro dos mais violentos, na Zona Sul da cidade de São Paulo. Talvez o desalento, a falta de perspectiva, a ausência do Estado, enfim, uma série de condições sociais, econômicas e sociais possam justificar todo o ódio e toda violência que perpassa a história de Lúcio Fé, Aninha, Régis, Celso Capeta e Neguinho da Mancha na Mão, os rapazes que se juntam para praticar um assalto a um banco, como forma de superarem suas condições de vida. Há ainda um outro ponto crucial para o leitor de hoje: o livro se insere naquela categoria que os críticos adoram chamar de “literatura marginal”. Marginal por quê? Querem dizer que foi escrita por um marginal, no sentido social e econômico do termo? O que é um absurdo. Querem dizer que é uma literatura fora dos cânones prescritos da chamada “boa literatura”? O que revela um grande preconceito. Sim, o romance tem uma narrativa que difere do normal, em alguns pontos. Por exemplo: o autor usa frases curtas, mas encadeadas em longos períodos, como um fluxo de memória ou para imprimir uma dinâmica de velocidade aos acontecimentos e para aquilo que se passa na cabeça das personagens (sem psicologismos, o que muito bom), mas esse é um recurso que, se nos intriga no começo, com ele logo nos acostumamos e não há, absolutamente, nenhuma justificativa para que seja considerado como “marginal”. Bem, não é possível resumir em poucas palavras toda a complexidade da narrativa, com inúmeros personagens e acontecimentos quase simultâneos, que o autor vai costurando num painel que revela vidas em estado extremo de tensão e violência. Não é um livro para mentes fracas, mas, sem dúvida, um relato contundente muito articulado através de uma literatura que se aproxima da oralidade e da cadência dos rap.
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