sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado, Ishmael Beah

 Muito longe de casa: memórias de um menino-soldado, Ishmael Beah


Revoltam-me sempre os livros que falam de guerras, essa chaga indelével da humanidade. Realçam o lado monstruoso do ser humano, o ponto de limite e de quase não retorno do estado absoluto de barbárie. Escrevi “de quase não retorno”, porque às vezes há esperança. “Muito longe de casa” talvez seja esse grito de esperança. Falemos um pouco da história do livro. O autor-narrador é um menino de 13 anos que vive numa aldeia de Serra Leoa, país da África Ocidental, em 1993, quando está em curso um confronto de grandes consequências entre a guerrilha e as tropas do governo, conflito que durou até 2002, com mais de 50.000 mortos. Quando sua aldeia é invadida pelos guerrilheiros, ele e o irmão, na fuga, são separados da família. Empreendem, então uma longa caminhada em busca dos familiares e de refúgio contra a guerra, juntamente com outros garotos da mesma idade. O irmão também desaparece durante essa fuga alucinada, por aldeias destruídas e florestas inóspitas. Os garotos são capturados pelas forças do exército e passam a fazer parte de uma força de ataque e de extrema violência contra os guerrilheiros e, para isso são treinados, drogados e armados com a função de destruir, torturar e matar suas vítimas, os guerrilheiros. Esse o núcleo do livro: a trajetória de violência do menino-soldado dos 13 aos 16 anos, quando é retirado da guerra por organizações não governamentais e por órgãos da UNICEF e levado para a capital, Freetown, onde passa por meses de desintoxicação da violência e das drogas, até que seja encontrado um tio, irmão de seu pai, que o leva para morar com sua família. Mas a guerra ainda está em curso e, durante uma invasão da capital, o garoto precisa fugir mais uma vez, para não ser morto ou ter que voltar para a guerra, principalmente quando seu tio falece. Seu processo de recuperação incluíra uma viagem para os Estados Unidos, para uma conferência de crianças desalentadas de todo o mundo, inclusive do Brasil, e para lá que pretende, agora, fugir. A descrição da participação do menino na guerrilha, como afirmei, é o fulcro da narrativa e, nela, temos um relato cru e cruel de todas as ações de vingança e de terror empreendidas pelo grupo de crianças-soldados, comandado pelos oficiais do exército. Está ali toda a monstruosidade da guerra e da capacidade do ser humano de naturalizar a violência extrema. Mas, como são crianças, o que a mensagem final dessa autobiografia traz é a esperança de que, se retirados da engrenagem da violência, ainda podem ser recuperados, o que não acontece, infelizmente, com todos os meninos e meninas recrutados para a guerra em vários pontos do globo. Creio firmemente que o ser humano só conseguirá superar a barbárie, quando as guerras forem definitivamente erradicadas da história humana, infelizmente uma utopia muito longe de ser alcançada. Leia, portanto, o livro com olhos de esperança, para suplantar o horror, é só o que posso sugerir a um possível leitor dessas linhas e do próprio livro.

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