Chove nos campos de Cachoeira, Dalcídio Jurandir
Encantamento. Essa a palavra que me veio, ao terminar de ler “Chove nos campos de Cachoeira”, esse longo e complexo romance de Dalcídio Jurandir, com toda a sua carga de regionalismo, eivado de usos e costumes e de vocabulário da região Norte, mais especificamente, da Ilha do Marajó, na então vila de Cachoeira, onde se passa toda a ação contida nessa história de inúmeros personagens. Os principais, em torno dos quais gira todo o enredo do livro, são: Alfredo, o menino que sonha com a cidade grande, no caso Belém, onde poderia estudar e ter um futuro; Eutanázio, seu irmão mais velho, de 40 anos, sempre doentio, apaixonado por Irene, que zomba de seus sentimentos e se entrega ao namorado, engravida, é abandonada, e isso faz que o mundo real do rapaz, que já era sem sentido e sem qualquer atrativo, se desmorone, aumentando os seus males. Além de Irene, há inúmeras mulheres e homens que fazem parte do universo de Alfredo e Eutanázio: a mãe, Amélia, tratada com preconceito pela sociedade, por ser negra e dividir o leito com o Major Alberto, depois de sua viuvez; a prostituta Felícia, cujo quarto miserável é frequentado por Eutanázio e outros; Lucíola, a solteirona que se encantou com o menino Alfredo e o mimou durante toda a sua primeira infância, como um filho, o que a leva a ter conflitos com dona Amélia; Dr. Campos, juiz substituto de Cachoeira, personagem pândego, tão cristão quanto dionisíaco, tão erudito quanto vicioso na cessão aos desejos e prazeres e muitos e muitos outros. E a vila de Cachoeira, talvez a personagem mais presente em toda a narrativa, com seus campos, seu rio, suas ruas miseráveis, mas despertando a cobiça de investidores mal intencionados por verem possível lucro em suas terras inundáveis, durante o período das chuvas, no primeiro quarto do século XX, quando se passa a ação do romance. Destaco a perícia do autor em trabalhar com um universo povoado de muitas personagens, num ambiente pouco conhecido para o leitor comum, o universo de uma ilha quase mítica do Amazonas, trazendo toda a força de um gênero, o romance regionalista, numa linguagem que conserva toda a riqueza da região e ao mesmo tempo nos encanta com um lirismo raramente encontrável na literatura atual. Um livro para se degustar aos poucos, como uma cuia de tacacá bem temperado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário