Abril despedaçado, Ismail Kadaré
Da Albânia, pequeno país montanhoso do sudoeste da Europa, nos vem esse instigante romance, “Abril Despedaçado”. Exatamente nas altas montanhas desse país, há entre as aldeias e pequenas localidades um código de honra milenar, o Kanun (ou Cânone), que determina que o assassinato para vingar um crime é um direito e um dever. E descreve minuciosamente os passos que aprisionam as famílias a um círculo vicioso de execuções. O livro nos conta a história do jovem Gjorg Berisha que é obrigado pelo pai a seguir as ordens do Kanun e assassinar Zef Kryeqyq, de um clã vizinho. Esse ciclo de vingança remonta a 70 anos e já levou a vida de 22 homens de cada família. Depois de atirar em Zef, Gjorg segue as leis da vendeta do Kanun: coloca o cadáver numa determinada posição, avisa aos moradores da aldeia, pede à família da vítima uma trégua de 24 horas, comparece ao velório e ao banquete fúnebre. As duas famílias negociam a seguir, sempre de acordo com a normas do Kanun, uma “trégua longa”, de 28 dias, e as demais humilhações e pagamentos pelo crime. Então, Gjorg enceta uma viagem a uma aldeia distante, para pagar a uma espécie de “príncipe” da região o imposto devido ao sangue derramado. Após esses 28 dias, ou seja, exatamente no dia 17 de abril, a família do morto tem o direito e o dever de matá-lo. Enquanto isso, um jovem casal de Tirana também enceta uma viagem de lua de mel pelas regiões montanhosas, a convite do mesmo potentado, numa carruagem negra. A jovem e bela esposa cruza um rápido olhar com Gjorg numa das estradas e fica extremamente impressionada com sua beleza e juventude e por saber que ele, que leva no braço a tarja preta da vendeta, está preso a uma lei injusta que o condena a ser morto numa vendeta. O jovem, ao voltar de sua obrigação, tenta encontrar de novo a carruagem, como uma espécie de visão salvacionista de sua situação, mas eles nunca mais se reencontram. Todo esse enredo serve para que o autor nos envolva não só na trama macabra do círculo vicioso de assassinatos, mas também nos leva aos meandros cruéis do funcionamento do Kanun, uma lei milenar que usa a morte, o assassinato, como a engrenagem que sustenta todo um sistema econômico. Na minha opinião, uma bela e trágica metáfora do capitalismo, neste livro que tem um quê de barroquismo, o “belo horrível”, mas que se lê com a tensão das grandes obras urdidas pelo talento de um grande e premiado escritor albanês.
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