terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Abril despedaçado, Ismail Kadaré

Abril despedaçado, Ismail Kadaré

Da Albânia, pequeno país montanhoso do sudoeste da Europa, nos vem esse instigante romance, “Abril Despedaçado”. Exatamente nas altas montanhas desse país, há entre as aldeias e pequenas localidades um código de honra milenar, o Kanun (ou Cânone), que determina que o assassinato para vingar um crime é um direito e um dever. E descreve minuciosamente os passos que aprisionam as famílias a um círculo vicioso de execuções. O livro nos conta a história do jovem Gjorg Berisha que é obrigado pelo pai a seguir as ordens do Kanun e assassinar Zef Kryeqyq, de um clã vizinho. Esse ciclo de vingança remonta a 70 anos e já levou a vida de 22 homens de cada família. Depois de atirar em Zef, Gjorg segue as leis da vendeta do Kanun: coloca o cadáver numa determinada posição, avisa aos moradores da aldeia, pede à família da vítima uma trégua de 24 horas, comparece ao velório e ao banquete fúnebre. As duas famílias negociam a seguir, sempre de acordo com a normas do Kanun, uma “trégua longa”, de 28 dias, e as demais humilhações e pagamentos pelo crime. Então, Gjorg enceta uma viagem a uma aldeia distante, para pagar a uma espécie de “príncipe” da região o imposto devido ao sangue derramado. Após esses 28 dias, ou seja, exatamente no dia 17 de abril, a família do morto tem o direito e o dever de matá-lo. Enquanto isso, um jovem casal de Tirana também enceta uma viagem de lua de mel pelas regiões montanhosas, a convite do mesmo potentado, numa carruagem negra. A jovem e bela esposa cruza um rápido olhar com Gjorg numa das estradas e fica extremamente impressionada com sua beleza e juventude e por saber que ele, que leva no braço a tarja preta da vendeta, está preso a uma lei injusta que o condena a ser morto numa vendeta. O jovem, ao voltar de sua obrigação, tenta encontrar de novo a carruagem, como uma espécie de visão salvacionista de sua situação, mas eles nunca mais se reencontram. Todo esse enredo serve para que o autor nos envolva não só na trama macabra do círculo vicioso de assassinatos, mas também nos leva aos meandros cruéis do funcionamento do Kanun, uma lei milenar que usa a morte, o assassinato, como a engrenagem que sustenta todo um sistema econômico. Na minha opinião, uma bela e trágica metáfora do capitalismo, neste livro que tem um quê de barroquismo, o “belo horrível”, mas que se lê com a tensão das grandes obras urdidas pelo talento de um grande e premiado escritor albanês.

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