sábado, 30 de agosto de 2025

O livro da astrologia: Um guia para céticos, curiosos e indecisos, Carlos Orsi

 O livro da astrologia: 
Um guia para céticos, curiosos e indecisos, Carlos Orsi


Michael Shermer, no livro “Cérebro e Crença” (leia a resenha aqui mesmo, neste blog), diz que nosso cérebro formula uma crença e, depois, busca as justificativas para ela. Com a astrologia, deve ser mais ou menos isso o que ocorre e é o que, ao fim e ao cabo, nos diz o autor de “O livro da astrologia: um guia para céticos, curiosos e indecisos”. Nunca acreditei na astrologia (tampouco em visões, previsões, profecias, gurus etc.), embora ficasse curioso com o fato de que alguns horóscopos mais elaborados trouxessem afirmações que pareciam ter sido escritas para mim, no meu signo. Não percebia, e o livro que comento, me elucida, que as afirmações genéricas cabem para definir a personalidade de qualquer pessoa. E mais: quando recebemos feedback afirmativo, elogioso (por exemplo: os capricornianos são teimosos, mas inteligentes), relevamos ou esquecemos todas as outras afirmativas idiotas ou que nada têm a ver conosco para adotarmos as que nos “jogam para cima”. Bem, isso é só um detalhe do muito que nos relata sobre a história, as falsidades, os truques e as impossibilidades de astros e estrelas distantes influenciarem, o mínimo possível, as nossas vidas e nosso modo de ser. Muitos cientistas do passado se dedicaram à astrologia e vários deles acabaram por descobrir a falácia de seus princípios, mas até hoje muita gente acredita em horóscopos, e até mesmo nesses toscos horóscopos de previsão que jornais e revistas ainda publicam, em pleno século XXI. Mas, como o próprio autor acaba confessando, tentar dissuadir alguém de uma crença com argumentos racionais equivale a enxugar gelo, porque as pessoas se recusam a sair de sua zona de conforto chamada ”crendice”, porque, como o nome indica, o conforto ilusório de uma previsão otimista pode ser o combustível para uma vida de esperança, ainda que baseada em princípios falsos. Enfim, li e gostei, porque me diverti com as inúmeras peripécias de astrólogos famosos a tentar fazer-nos crer nas bobagens que eles escrevem, como se fossem hipóteses ou teorias que se comprovam cientificamente, coisa que a ciência, por mais que tenha tido boa vontade em tentar provar tais hipóteses e teorias, tem demonstrado à exaustão, que a astrologia é só isto mesmo: uma bobagem, como tantas outras crendices em que os humanos acreditam.

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Um ditador na linha, Ismail Kadaré

 

Um ditador na linha, Ismail Kadaré


O autor albanês Ismail Kadaré está na expectativa de receber o prêmio Nobel de Literatura, por volta de 2018, quando escreve o livro “Um ditador na linha”. O prêmio não aconteceu, mas o livro ganhou merecida fama. Não há propriamente uma história, ou há só um fiapo de história: num sábado de junho de 1934, o escritor Boris Pasternak teria recebido um telefonema do homem mais poderoso e temido da Rússia, o camarada Stálin. Há duas perguntas que perpassam todo o livro: a primeira, o telefonema ocorreu mesmo? Ao que tudo indica, sim, conforme vários testemunhos. A segunda: o que realmente conversaram o escritor e o ditador, nos breves três minutos de duração do tal telefonema? E é essa segunda questão que tenta resolver Kadaré. Há 13 versões para a conversa entre as duas personagens, 13 testemunhas que não propriamente se contradizem, mas trazem nuances diferentes para a troca de palavras entre Stálin e Pasternak. E o escritor se dedica a trazer cada uma dessas versões e esmiuçá-las detalhadamente, trazendo inúmeras considerações sobre as intenções e as motivações de cada uma dessas versões, segundo os interesses ou o ponto de vista de cada testemunho, trazendo ao mesmo tempo detalhes da vida dos envolvidos no motivo do telefonema e também de várias outras personagens, escritores, esposas, amantes, poetas etc. Por que tudo isso? A breve conversa entre Stalin e o autor de Doutor Jivago teve por motivo a prisão de um dos maiores poetas russos, Óssip Mandelstam. Queria o ditador que Pasternak interviesse pela soltura do poeta? Por que ele não o fez? Arrependeu-se depois, quando o poeta foi novamente preso, perseguido e morto? Essas questões todas são alvo da preocupação do escritor, mas não formam o escopo do livro. Na verdade, Kadaré, nas entrelinhas de sua narrativa, faz uma longa reflexão sobre o motivo por que os ditadores odeiam tanto os artistas, sejam poetas, escritores, músicos etc. Lembremos a ditadura brasileira de 1964: apesar de fazer rodízio de ditadores de plantão, todos eles perseguiram nossos artistas, durante as duas décadas de sua duração. Imagine-se, então, o estrago que fez Stálin durante as décadas de 22 até o final dos anos 50, na União Soviética, sendo ele o senhor absoluto das vidas, das mentes e da opinião de quem quer que ousasse se manifestar. Por isso, o livro de Ismail Kadaré, através de uma escrita concisa e complexa, mas muito bem articulada e envolvente, tem o condão de despertar no leitor a consciência de quanto devemos temer o autoritarismo e do quanto devemos lutar para nos livrar de governos autoritários, não importa sua ideologia: todo autoritarismo é sanguinário e precisa ser combatido, de preferência em sua origem.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Cérebro e crença, Michael Shermer

Cérebro e crença, Michael Shermer


Em termos de neurociência, muita coisa mudou desde 2012, quando esse livro foi lançado, mas nada que modifique as hipóteses aqui abordadas pelo autor. O conhecimento do que ocorre no cérebro humano tem-se aprofundado, mas alguns princípios básicos têm-se mantido, já há algum tempo. Portanto, ao integrar a neurociência às ciências sociais para afirmar, por exemplo, que o ser humano formula suas crenças primeiro e só depois busca justificativas para validá-las, continua sendo uma hipótese perfeitamente explicável por todo o arcabouço de pesquisas e exemplos que ele nos apresenta. A ideia de deus ou de uma divindade, segundo o autor, nasceu no cérebro humano há milhares de anos e, durante todo esse tempo, temos formulado uma quantidade infinita de justificativas para a existência de um ser que, de acordo com os que nele acreditam, criou o universo e, para isso, teria que ser maior do que o próprio universo criado. Assim, é impossível provar a existência de tal ser, mas os teístas tentam jogar para os ateus o ônus de provar que ele não existe, o que é uma impossibilidade lógica: não se prova a inexistência de algo. Mas, não é somente sobre a crença em deus que trata a longa e, às vezes, complexa dissertação de Michael Shermer. Aborda também a crença de cientistas que partem de paradigmas ou hipóteses consagradas em termos de afirmações literárias para tentarem comprovar aspectos da natureza que, quando se usa o método empírico da observação, se mostram totalmente equivocados, o que absolutamente não anula os esforços da ciência em tentar explicar os fenômenos da natureza. A ciência, ao contrário da crença, tem uma ferramenta de avaliação fantástica, chamada método científico que, baseada no ceticismo e no conhecimento de inúmeros outros cientistas de diversas áreas, esmiúça cada hipótese apresentada, até que todos os seus elementos sejam comprovados, ou não. Isso impede que crenças sobrenaturais e paranormais, teorias conspiratórias e absurdas consigam prosperar e essas crenças só conseguem enganar as mentes crédulas e desprovidas de qualquer aparato mais sofisticado de pensamento. Quando o autor relata os inúmeros casos de experiências no terreno da neurociência ou da longa busca dos astrônomos por entender o universo, a narrativa pode se tornar um tanto tediosa para leigos como eu, mas basta um pequeno esforço e se consegue acompanhar tais relatos até mesmo com algum prazer, já que eles nos trazem conhecimentos que raramente encontramos resumidos com tal clareza. Enfim, “Cérebro e crença” é um importante libelo contra o obscurantismo e a favor da ciência, vista a ciência não uma nova crença de valores absolutos, mas como guia para melhor entendermos o mundo que nos cerca, com a certeza de que aquilo que ainda há de inexplicável nada tem de sobrenatural. Se a ciência ainda não explicou algum fenômeno, é porque faltam dados e informações. É só questão de tempo... e pesquisa.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Distância de resgate, Samanta Schweblin

Distância de resgate, Samanta Schweblin


O fascinante deste livro não está propriamente na sua narrativa, mas na forma como a autora, argentina, teceu o enredo. Uma arquitetura literária complexa, mas não exatamente impossível de ser desvendada pelo leitor: as várias vozes se intercalam na exposição de um problema que parece, a princípio, misterioso, e que vai nos envolvendo pouco a pouco em sua teia. A personagem principal, a mãe, aluga uma casa de veraneio no interior não nomeado, num campo onde há inúmeras plantações de soja e haras. Ali conhece a mãe do menino que fala em seu interior e a adverte dos perigos para sua filha e para ela mesma: algo que acometeu aos cavalos do pai e a si mesmo e que pode atingir sua filha, mesmo que ela tenha para a menina uma distância de resgate, isto é, mantenha uma vigilância segura de proteção à garota. As várias vozes narrativas conduzem a história para um desfecho aberto e de alerta para o que fazemos com o meio ambiente, numa espécie de voragem que vai tragando a todos para a fatalidade de algo incontrolável e pessoal, porém de alcance mais amplo. A pergunta que fica engasgada na garganta do leitor desse fio vital e afiado que prende a todos para a tragédia é até que ponto o ser humano interveio na natureza para provocar nossas doenças, para nos atormentar, sem que nada possamos fazer, diante de um inimigo invisível e talvez invencível. Sem dúvida, uma das mais instigantes e intrigantes narrativas que se pode ler, principalmente pela arquitetura literária de grande criatividade e invenção, que nos faz mergulhar sem qualquer rede de proteção e sem qualquer preconceito do jogo proposto pela autora, em pouco mais de cem páginas.

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Dias perfeitos, Raphael Montes

 Dias perfeitos, Raphael Montes


Os autores de livros de suspense adoram tipos estranhos para personagens de suas histórias. É mais ou menos o caso do Teodoro, ou Teo, de “Dias perfeitos”: estudante de medicina, adora as aulas de dissecação de cadáveres e tem, até mesmo, uma espécie de atração mórbida pelo corpo de uma mulher, a que ele dá o nome de Gertrudes. Tem poucos amigos e, do alto de seus 22 anos, teve apenas uma namorada virtual. Sua mãe, paraplégica, tem um cão chamado Sansão. O pai foi um grande advogado e morreu envolvido em escândalos financeiros. O perfeito tipo estranho. E é sob o ponto de vista desse tipo estranho que a história é contada. Teo conhece uma garota baixinha, bonita, migon, muito “doida” e “livre”, chamada Clarice e desenvolve por ela uma obsessão amorosa, não necessariamente sexual. Ela está escrevendo o roteiro de um filme a que deu o nome de “Dias perfeitos”, onde relata a viagem de três amigas em busca de novas experiências. Teo se aproxima de Clarice e sequestra a moça, dopando-a com medicamento e colocando-a numa grande mala, que leva, primeiro para sua casa, onde o cão ameaça sua privacidade o que o obriga a matá-lo com excesso de remédios da própria mãe, a quem “enrola”, dizendo que a moça que está em seu quarto é sua namorada e é muito discreta. Depois, foge com ela, na mala, para um hotel-chalé em Teresópolis e, em seguida, para a Ilha Grande, agora numa fuga provocada por um ato de extrema crueldade de Teo para com o ex-namorado de Clarice. Paremos por aqui, no relato do enredo cheio de detalhes e de uma trama complexa da mente doentia de Teo, para não antecipar ao leitor o prazer de seguir essa história mirabolante, cheia de reviravoltas, e ao mesmo tempo fascinante, que o autor nos apresenta nesse livro de suspense, crime e mistérios da psique humana. Termino essa resenha retomando o que disse acima sobre a personagem Teo: um tipo mais ou menos estranho, já que o final do livro nos traz uma mais estranha ainda mudança de qualidade desse jovem, o que torna os capítulos finais do livro ainda mais estranho, talvez não muito coerente com o que se esperava de todo o desenrolar da história. Mesmo assim, um enredo frenético para apreciadores de literatura de suspense, de um jovem escritor brasileiro bastante elogiado e promissor nesse gênero que não tem muitos seguidores por aqui.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Salvatierra, Pedro Mairal

 Salvatierra, Pedro Mairal


Numa narrativa curta e envolvente, acompanhamos a busca de um filho pela verdadeira identidade do pai. O narrador, o filho, desde criança acompanhou a criação da obra de seu pai, Juan Salvatierra, um pintor mudo, que elabora ao longo de sessenta anos uma única pintura em rolos que se estendem por quatro quilômetros, onde retrata a sua vida, a vida de seus amigos, parentes e de seus filhos, e também as paisagens de sua terra natal, à beira de um rio, no interior da Argentina. Aliás, o rio é a metáfora da própria pintura ou a pintura é a metáfora da própria vida. Anos depois de sua morte, o narrador e seu irmão voltam ao barracão onde estão as pinturas do pai, juntamente com dois holandeses e um antigo auxiliar e amigo do pintor, para escanear a longuíssima tela e depois enviá-la para Holanda, onde ficará exposta numa fundação, já que as autoridades argentinas não deram a ela a devida atenção. Nesse processo, de escanear cada rolo, o narrador percebe que está faltando uma parte, referente ao ano de 1961. Começa, então, a sua busca pelo trecho perdido ou roubado, vindo à sua memória que, uma vez, um dos amigos do pai teve com ele uma discussão e teria danificado com uma faca uma das telas, mas isso é uma memória confusa de criança. Enquanto procura deslindar o mistério do rolo perdido, vamos acompanhando a descrição das várias passagens retratadas, que reconstituem a vida do pai, um homem que não falava porque sofreu em criança um acidente ao montar um cavalo. Mas, as lembranças e muito do que está retratado nas telas só vão se completar, quando encontrarem o rolo perdido ou roubado e uma parte desconhecida da vida do pai se revelar a eles. Vão descobrir que, por mais que convivamos com uma pessoa, um pai, um irmão, um amigo, há sempre um mistério, zonas escondidas, escaninhos de vida que deviam ficar no passado e que, quando revelados, trazem à tona emoções, amores ou fatos que, embora preencham lacunas, sempre nos surpreendem. Enfim, como afirmei ao abrir essa resenha, uma história envolvente que, embora curta, em apenas 112 páginas contém, na sua leveza, uma narrativa brilhantemente conduzida pelo autor.

terça-feira, 5 de agosto de 2025

O herói de mil faces, Joseph Campbell

 O herói de mil faces, Joseph Campbell


Lançado em 1948, quando estavam no auge as teorias psicanalíticas de Freud e Jung, Campbell utiliza-se delas em muitos momentos para nos apresentar os mitos e as lendas de inúmeras civilizações de tempos remotos até os dias atuais, em busca de elementos comuns desses mitos e lendas, para traçar aquilo que se convencionou chamar “a trajetória do herói”. Os mitos fundadores cosmogônicos têm, na visão do autor, profundos elementos arquetípicos que, embora apresentem muitas e diferentes concepções religiosas, contêm, no entanto, semelhanças de visão de mundo de civilizações díspares no tempo, desde as mais remotas até séculos há pouco terminados, e no espaço, desde países do Oriente até os povos indígenas da América do Norte e os povos pré-colombianos da América Latina. E essas visões arquetípicas e esses símbolos ressoam até mesmo nos sonhos detectados pela moderna visão psicanalítica, na interpretação de seus teóricos máximos, na época, como Freud e Jung. Também as lendas relacionadas aos heróis de todos os tempos trazem em seu bojo elementos constituintes de uma trajetória que se repete, de mil formas diferentes, em quase todas as histórias de heróis e heroísmos, o que também os tornam elementos arquetípicos da civilização humana, em sua busca de compreensão de si mesma, o que é, sem dúvida, o objetivo de nossas narrativas: mesmo que falemos e escrevamos sobre deuses ou heróis de grande poder mágico ou espiritual, ou grandes líderes religiosos, como Jesus, Moisés, Buda, Krishna e tantos outros, como os Anciãos das tribos australianas, o que o ser humano busca sempre é a compreensão do universo que o cerca e a compreensão de si mesmo dentro desse universo, algo talvez utópico, mas que, espera o autor, os estudos comparativos dessas civilizações e de seus mitos possam contribuir não para a unificação do pensamento humano, mas ajam de alguma forma para o entendimento mútuo entre os povos e entre os seres humanos. Concluindo, ressalto que não é um livro de fácil leitura, não só pela complexidade do tema ou temas abordados, mas pela grande erudição de Campbell, que nos obriga a uma atenção redobrada para entendermos não só a literalidade do que ele escreve, mas, principalmente, os meandros de suas entrelinhas, e toda a visão de mundo que ele nos desvenda através dos inúmeros mitos e lendas que ele nos apresenta através de suas mais de quatrocentas páginas.