Nada mais será como antes, Miguel Nicolelis
Ayn Rand, em seu oceânico romance “A revolta de Atlas”, gasta mais de 1200 páginas para tentar nos convencer, com seu enredo distópico de uma ditadura nos Estados Unidos, que a única salvação da humanidade é confiar nos empresários, seres incorruptíveis e de grande bondade e sabedoria, no que se tornou um dos livros canônicos da direita e, talvez, da extrema direita. Miguel Nicolelis é menos pretensioso quanto à extensão da sua distopia, ou melhor, do seu enredo de ficção científica, gastando metade de páginas de Rand para nos convencer de que a única saída da humanidade está na ciência, no que se pode até mesmo dizer que se trata de um romance “de esquerda”. O enredo é complexo e recheado de referências não só científicas, mas também históricas, num grande esforço de erudição do autor que, como cientista, dispensa apresentação. Um breve resumo, para situar o leitor: Tosca, uma brilhante neurocientista que desenvolve nos Estados Unidos estudos sobre o que ela chama de Brainet, conexão eletromagnética entre os cérebros, recebe um chamado urgente de seu tio, Omar, um multimilionário e matemático egípcio que desaparecera há mais ou menos 30 anos, que agora mora no Brasil. Estamos no ano de 2036 e um evento cataclísmico está para ocorrer no âmbito das tempestades magnéticas do Sol, algo que irá destruir a atual civilização cibernética, baseada na eletricidade e no domínio político das big techs e dos grandes banqueiros, os “bankgansters”. Algumas horas antes do grande impacto, voam para Manaus, onde Omar tem a intuição de que encontrará a solução para o futuro da humanidade num laboratório de alquimia do bisavô de Tosca, um bilionário egípcio que migrou para o Brasil no começo do século passado e que dedicou sua vida à exploração da borracha e a esse laboratório. São orientados nessa empreitada inaudita para a salvação da humanidade, quando toda a eletricidade do mundo é simplesmente eliminada pela grande tempestade magnética que paralisa a vida do planeta e pode jogar a humanidade para uma era do passado de milhares de anos atrás, por sonhos e “implantes” neurais de forças desconhecidas: alienígenas? E só podem contar com a ciência antiga para tentar recuperar as perdas imensas da humanidade e tentar levá-la buscar historicamente novos paradigmas, que não o do progresso infinito com recursos finitos, para o proveito de poucos e a miséria de quase todos. O leitor terá que se jogar nessa aventura distópica e enfrentar todos os perrengues da dupla, além de acompanhar suas digressões e explicações no terreno da ciência, para usufruir de um enredo extremamente criativo, que tem por referências não só os cientistas, mas também muitos escritores de ficção científica, como Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e outros. Não sei se teve o autor tal intenção, mas ficou para mim, ao fim e ao cabo, que essa bela distopia é uma resposta à altura àquela de Ayn Rand.
Nenhum comentário:
Postar um comentário