Partículas elementares, Michel Houellebecq
Bernardo e Michel são irmãos apenas por parte de mãe, na França dos anos finais do século XX. Michel torna-se biólogo e faz pesquisas rigorosas no terreno do determinismo. Incapaz de se apaixonar, assiste quase que deterministicamente ao declínio de sua sexualidade, transformando esse fato na obsessão pelo trabalho e pela vida consumista, entupindo-se de tranquilizantes. Depois da morte de uma parceira sexual, uma colega de tempos de escola reencontrada mais de 30 anos depois, volta-se a pesquisas que irão modificar o rumo da biologia. Seu irmão Bruno, por sua vez, abandonado pelos pais, cresceu em internatos onde sempre sofreu abusos por parte de colegas e, adulto, busca a redenção e a felicidade numa vida sexualmente desregrada. Ao passar uma temporada numa espécie de camping New Age liberal, uma desconhecida, uma noite na piscina, abre para ele a possibilidade de encontrar a tal felicidade através do sexo oral. A trajetória dos dois irmãos é narrada de forma intercalada e com a inserção de inúmeras referências científicas e filosóficas que comentam, embasam ou determinam as atitudes caóticas das personagens, nesta busca pelo sentido da vida, numa crítica em que a ironia beira, às vezes, o sarcasmo, para criticar as mudanças comportamentais do final do século, quando o ser humano, pelo menos o burguês heterossexual, branco, europeu e razoavelmente culto parece perder o rumo de suas vidas e se lança na prática da busca do prazer a qualquer custo. É um livro de leitura lenta, para que se entendam e aprofundem as várias facetas e os vários temas abordados pelo autor. Alerta-se que nenhum moralismo deve ter o leitor, ao enfrentar os trechos de quase erotismo explícito a que o narrador expõe suas personagens. Eu disse “quase”, porque, na verdade, há tanta ironia no realismo sem qualquer censura das referências e descrições de práticas sexuais, que o erotismo se apresenta quase mitigado e como parte intrínseca do tipo de vida e de crítica levantada pelo autor. Enfim, vencidos o moralismo, as citações e as ironias e críticas a um modo de vida crepuscular de fim de século, temos diante de nós uma obra prima da moderna literatura francesa.
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