quinta-feira, 30 de outubro de 2025

De quatro, Miranda July

De quatro, Miranda July


Um livro escandalosamente feminino; escandalosamente feminista. A história tem laivos romanescos que lembram paixões absolutas e incontroláveis, como em “Os sofrimentos de Werther”. Mas, não se engane: a autora não deixa pedra sobre pedra na construção das agruras de sua personagem. Narrado em primeira pessoa, podemos assim resumir seu enredo: uma artista de 45 anos que mora em Los Angeles resolve fazer uma viagem até Nova Iorque – de carro! Porém, ao parar numa pequena localidade a poucos quilômetros de Los Angeles, conhece um jovem funcionário de uma loja de automóveis, hospeda-se num pequeno hotel, contrata uma decoradora (que é esposa do jovem) e gasta 20 mil dólares para transformar o quarto do hotel numa espécie de ninho do amor. Ao atrair o rapaz, Daivey, encetam uma amizade com toques de muito erotismo, mas sem nunca chegar ao ato sexual. Descobre que ele é bailarino e segue algumas regras de vida rigorosas que não lhe permitem abandonar a esposa. Após mais de 15 dias de romance explosivo, retorna a Los Angeles, para o marido e a criança que eles têm, como se realmente tivesse atravessado o país e voltado. Note que eu disse “criança”, porque Sam é fruto de um parto complicado, teria sido um natimorto que sobreviveu e sempre que o casal se refere a essa criança, ambos usam pronomes neutros (traduzidos em português por “elu”). Em torno dessa história meio insólita, a narradora descreve com detalhes toda sua luta interior para superar a crise de meia idade, convivendo com um casamento que não parece ter futuro, com sua sexualidade agora exacerbada por uma paixão incontrolável e irrealizável, com lembranças complicadas de seu parto e sua relação com amigas e amantes mulheres por quem também se apaixona, sem nunca, no entanto, esquecer os momentos que passou com Daivey naquele quarto de sonho de um hotel da pequena cidade. Um desabafo, sem dúvida, de tirar o fôlego, em que estão em jogo valores femininos de liberdade, de busca de realização que, ao mesmo tempo, expõem inúmeras vulnerabilidades de sua condição de esposa, de mãe e de amante. Sem dúvida, um livro poderoso, mas não posso concluir essa resenha sem anotar o desconforto que senti com o final onírico, embora catártico, mas que me pareceu improvável diante de todos os acontecimentos e confissões e reflexões anteriores, quase um anticlímax de todo o feminismo da personagem.

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