O sol é para todos, Harper Lee
A ação se passa no sul do Alabama, Estados Unidos, na cidade fictícia de Maycomb, narrada por uma garota de sete anos, cujo apelido é Scout, filha do advogado Atticus Finch. Ela, seu irmão Jem, de dez anos, e um amigo eventual, Dill, vivem a vida de três crianças numa pequena e pacata cidade do interior. Brincam, inventam histórias e aventuras, convivem com os vizinhos e observam seu comportamento. Têm um especial interesse pelo filho de um dos vizinhos que vive trancado em casa e nunca foi visto por eles, o que desperta uma certa curiosidade meio mórbida, mas acabam interagindo com ele através de alguns presentes – bem infantis – trocados entre eles através de um buraco no trocon de um velho carvalho em frente à cada do recluso. O pai dos dois irmãos é viúvo e quase não há referência à mãe e a única figura feminina com que as crianças convivem a maior parte do tempo é uma empregada negra que está na casa já há muitos anos, com que os garotos e, principalmente, Scout tem uma relação muito próxima e afetuosa, mesmo quando é castigada ou chamada à atenção por qualquer travessura. A narrativa vai nos envolvendo na vida dessa comunidade, com a sensibilidade da narradora, através da qual vamos tomando conhecimento de seus hábitos, de seus costumes, de sua mentalidade. A ação atinge o seu ponto extremo, sempre aos olhos da menina, quando um negro é acusado de violentar uma jovem branca e, ao ser julgado, vai ser defendido por Atticus, o pai de Scout. As cenas do julgamento, que mobilizam toda a cidade, são eletrizantes, mesmo narradas com a ingenuidade da garota, porque elas trazem à tona de forma contundente a divisão da sociedade e seu viés racista. Todo o julgamento é acompanhado pelas três crianças, e isso vai dar a elas a oportunidade de conhecer melhor o pai que lhes parecia distante e era objeto de brigas entre os filhos e os colegas, por ser um “defensor de negros”: sua retidão de caráter, seu amor à verdade e seu senso de justiça e de compreensão para com os demais seres humanos serão, sem dúvida, um legado importante para os filhos e, devo dizer, também para o leitor que acompanhar a saga dessa família, num dos livros mais extraordinários da literatura mundial do século passado. Fará com que compreendamos melhor a mentalidade do século XX, com toda a sua carga de preconceito, racismo, sexismo, xenofobia, que as duas guerras mundiais e muitas outras guerras não mitigaram, retratada no microcosmo de uma cidadezinha do interior dos Estados Unidos, mentalidade cujo rastilho de ódio se estende até os dias de hoje, ao final da primeira quadra do século XXI, quando o ser humano já devia ter aprendido as duras lições que o passado recente lhe impingiu. Sem dúvida, a autora de “O sol é para todos”, cujo título original é “To Kill a Mockingbird” (Matar ou para matar a cotovia), deixou com seu praticamente único livro (há uma outra obra dela, mas parece irrelevante) um testemunho de grandeza literária e humana incomensurável.
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