Paris, a festa continuou, Alan Riding
Declarada “cidade aberta”, Paris não resistiu com um único tiro à invasão das tropas hitleristas, em 14 de junho de 1940. A ocupação permaneceu até agosto de 1944. Durante esse tempo, a população conviveu com restrições, com toques de recolher, com perseguições, prisões e deportações de judeus e, claro, muito medo. Sabemos que houve muita gente que resistiu – e pagou com a vida; que houve muita gente que aderiu ou fingiu aderir – e sobreviveu. Mas, e a elite intelectual? Os escritores, os artistas, os poetas, os cineastas, os músicos, dançarinos e bailarinos? Como reagiram à ocupação alemã? Dessa gente complicada e pensante é que trata o livro de Alan Riding, e o título, nesse sentido, já é provocativo. Numa longa crônica da ocupação, ele vai relacionando, nome por nome, todos os que aderiram porque já eram fascistas e antissemitas (lembrando que o antissemitismo na França se exacerbou a partir do caso Dreyfus); todos os que se omitiram, por comodismo, por medo e por vários motivos particulares; todos os que se opuseram e até mesmo lutaram e pagaram com a vida, por suas convicções. Nesse cadinho de confusões e contradições ideológicas, “a festa continuou”, isto é, a vida intelectual e festiva da cidade logo retomou seu ritmo e a elite, principalmente a elite abastada, manteve seu ritmo de festas e salões, abastecidos pelo mercado negro ou pela boa vontade dos nazistas, em contraste com a penúria da população em geral. Imprensa, teatros, bares e restaurantes, casas de espetáculos continuaram funcionando, porque aos alemães era importante não só cooptar o máximo possível da intelectualidade parisiense, mas também tentar divulgar sua cultura entre os franceses, promovendo inclusive caravanas de escritores e artistas à Alemanha. E muitos aderiram a essa farsa, até mesmo com a desculpa de que conseguiam libertar amigos ou franceses e até mesmo alguns judeus presos nos campos de concentração nazistas. Baseado numa pesquisa rigorosa, o autor vai desfilando as desditas, as contradições, o comodismo, as lutas e o adesismo disfarçado ou declarado de toda uma elite cultural, até a libertação da cidade, em 1944, quando, então, uma nova e complexa situação se coloca para os artistas e intelectuais: a delação, prisão, julgamento e punição (até com fuzilamento) dos que colaboraram com o regime nazista. E muitos foram rigorosamente punidos, mesmo sob o protesto de alguns intelectuais, que reclamaram que sua classe foi até mais punida do que muitos empresários e operários que contribuíram muito mais com o fascismo. Enfim, um relato longo, preciso, sem julgamentos ou busca de heróis ou traidores, mas que deixa para o leitor a certeza de que esse momento eletrizante e crucial da história da França, especialmente de Paris, deve servir como exemplo e alerta para todos nós do perigo das ideologias de extrema direita e o estrago que elas fazem na mente das pessoas, nas relações sociais, e sua capacidade de destruição de uma sociedade.

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