O olho mais azul, Toni Morrison
O belo está no olho de quem o vê, e não no objeto contemplado. No entanto, as sociedades humanas tendem a estabelecer padrões de beleza principalmente para as pessoas, num autoritarismo funesto e excludente, causando sérios transtornos a todos aqueles que fogem a esse padrão. No romance de Toni Morrison, Pecola Breedlove é uma garota negra que deseja ardentemente ter olhos azuis, como forma de ser aceita pela sociedade branca e superar o conceito de que é feia por ter a pele mais escura e o cabelo muito crespo. O olho azul num rosto negro inverteria a lógica do olhar para o que se considera belo, numa metáfora do que pode a opressão da norma e do preconceito causar numa pessoa mais do que vulnerável, sendo criança, negra e do gênero feminino, numa sociedade machista e preconceituosa. Dito isto, voltemos ao livro: já a primeira página nos revela praticamente toda a história. Duas irmãs, também negras, plantam sementes de cravos-de-defunto como forma de ajudar de alguma forma mágica a menina de doze anos, Pecola, que vai ter um bebê de seu pai. Mas, por terem enterrado muito fundo as sementes, as flores não brotarão. O bebê de Pecola vai morrer e também o pai do bebê, o pai de Pecola. Daí em diante, o livro vai nos revelando todo o contexto da vida da garota que desejava ter a cor de seu olho mudada para o azul, e somente o que há de cronológico na história é a passagem das estações, porque o painel de sofrimentos e de dificuldades da menina e de todos os demais personagens vai se compondo aos poucos, em histórias e dramas que nos levam, através da linguagem quase sempre poética e, em certos momentos também coloquial, da autora, a uma narrativa impactante, de força literária e de aprofundamento nas raízes do preconceito e da discriminação, numa sociedade do interior dos Estados Unidos, na década de 1940. Devo dizer que não levei muito em conta, incialmente, o fato de ser a autora muito elogiada pelo ex-presidente Barak Obama, mas confesso que ele tem muita razão e bom gosto, pois realmente, dentre os inúmeros autores e autoras da negritude que tenho lido com imenso prazer, Toni Morrison ganha, em minha modesta opinião, status de escritora de primeira linha, em todos os sentidos. Sem dúvida, uma obra prima.