A Odisseia de Penélope, Margaret Atwood
Homero, em sua Odisseia, retrata Penélope como exemplo de esposa fiel, ao esperar o marido, Odisseu, por mais de 20 anos, driblando seus pretendentes ao prometer que escolheria um deles quando terminasse de tecer uma mortalha, que era desmanchada sempre durante a noite, num trabalho interminável, com o auxílio de suas escravas. Odisseu, depois de lutar na guerra de Troia, se perdera pelas águas revoltas do mar Egeu, em lutas contra ciclopes ou nos braços de deusas em ilhas paradisíacas e, ao retornar a Ítaca, mata todos os pretendentes à mão da esposa e todas as doze escravas que a serviram. A notar que Penélope é prima da bela e fatal Helena, com quem dividia as honras de ser a princesa inteligente, mas não tão bela, ao se casar com Odisseu, o jovem de pernas curtas e partir com o marido para Ítaca. É a história de Penélope e seus ardis para manter o reino e criar o filho Telêmaco que a autora canadense nos relata com sensibilidade e bom humor, para tentar responder a várias questões que não ficaram claras na narrativa de Homero, numa releitura contemporânea e de um dos grandes mitos ocidentais. Não sei se Atwood leu Machado de Assis (provavelmente, não), mas o truque literário de dar voz a uma personagem morta que conta sua própria história permite não só essa dose de humour machadiano, mas também a liberdade de, usando de fontes antigas, recriar o mito de Penélope, dando a ela uma nova dimensão da mulher falsamente subserviente, criando novas perspectivas e possibilidades de uma “ideia velha caiada de novo” e ainda tentar resolver um antigo mistério, o motivo do enforcamento das 12 escravas fiéis a Penélope. Um livro para se ler com prazer, num final de semana de outono, em noites frias de quase inverno.