Luxúria, Fernando Bonassi
Numa metrópole distópica, que se identifica com São Paulo, o metalúrgico e ferramenteiro especializado, que mora no subúrbio, num conjunto habitacional de casas exatamente iguais, onde as pessoas, os vizinhos, são exatamente iguais a ele, com bens iguais aos dele, tem a pretensão de construir no quintal uma piscina. Tudo quanto possui está penhorado em dívidas: a casa, o carro, os utensílios domésticos, mas ele não desiste de contrair mais uma dívida, na realização desse sonho burguês. Contrata uma empresa especializada que, para realizar a obra, faz uma série de contratos irregulares que permitam o empréstimo do governo para isso. Enviam uma retroescavadeira para iniciar a obra, mas as ruas irregulares e estreitas do bairro não permitem sua passagem, e isso provoca um imenso congestionamento, mais um na imensa metrópole de constantes e irritantes congestionamentos de trânsito. Então, enviam uma equipe de três operários, um mestre de obras e dois peões, para fazerem a escavação, que irá, é claro, provocar enormes transtornos na vida da família e dos vizinhos. Enquanto isso, o “homem de que fala o relato” (como é constantemente nomeada a personagem) continua sua vida complicada na fábrica, com faltas e atrasos constantes, com sua cooptação para dedurar colegas menos produtivos a serem demitidos; em casa, seu filho pré-adolescente se envolve com drogas e com amizades estranhas na escola e sua mulher se entope de comprimidos para dormir. A obra se arrasta e incomoda. O autor vai descrevendo, em capítulos específicos, a rotina e os perrengues de seu protagonista, da mulher, do filho e até da empregada. E há uma decisão importante a ser tomada: o cão da família precisa ser retirado do quintal, porque não haverá mais lugar para ele, com a construção da piscina. O homem tenta inutilmente doá-lo, mas não encontra quem o adote, na comunidade. E seu fim poderá ser trágico, assim como o da família. Interessante notar: nenhuma personagem tem nome. O autor usa circunlóquios para nomeá-los: “o homem, o operário, o marido”, etc.; a “mulher, a esposa”, etc. Somente o cão tem um nome: Thor. A crítica à classe média, às condições de vida de uma população entregue à exploração, a uma existência ou não-existência de seres desumanizados por um sistema devorador de vidas é o que transcende das páginas desse romance distópico de Fernando Bonassi.