quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Sete monstros brasileiros, Bráulio Tavares

 Sete monstros brasileiros, Bráulio Tavares


São sete contos baseados em figuras mitológicas do folclore brasileiro, com histórias recriadas ou inspiradas livremente nesses seres que povoam nosso imaginário. Histórias assustadores, que nada têm a ver com as versões infantis ou infantilizadas desses monstros, alguns bastante conhecidos somente pela tradição oral, como o papa-figo, e outros mais famosos, como o lobisomem. São os seguintes os contos e as referências: 1. A Sétima Filha: uma mulher vira lobisomem e come seu marido; 2. Bradador: o corpo-seco ressurge do cemitério; 3. Papa-Figo: o homem que come fígados de crianças; 4. A Porca de Soledade: a porca que come sem parar e morre de fome; 5. Mortos-Vips: zumbis que perseguem jovens; 6. Expedição Monserrat: um lagarto que tem uma pedra vermelha na testa persegue jovens e rasga seus corpos; 7. Uma Gota de Sangue: mulher encanta um homem, suga sua massa encefálica e levando seu corpo para o fundo da piscina, sem derramar uma gota de sangue. Para ler num fim de semana, à luz de velas, durante um apagão...

terça-feira, 29 de outubro de 2024

As aventuras de PI, Yann Martel

 

As aventuras de PI, Yann Martel

Talvez uma das histórias mais extraordinárias que se possa ler. Ainda que a ideia central, o leitmotiv do livro, não seja original: foi baseado numa história do escritor brasileiro Moacyr Scliar, Max e os felinos”, em que um garoto alemão foge do nazismo num velho cargueiro, junto com animais do zoológico, e sobrevive a um naufrágio criminoso, ele e um jaguar. Na história do canadense Yann Martel, o garoto é Piscine Molitor Patel, Pi Patel, indiano de 16 anos, filho de um proprietário de um zoológico falido que embarca para o Canadá num cargueiro, com a família e vários animais que foram vendidos a zoológicos canadenses. No meio do Pacífico, o navio afunda. Pi é jogado num bote salva-vidas, onde encontra uma fêmea de orangotango, uma hiena, uma zebra e... um tigre-de-bengala, o “senhor” Richard Parker. O tigre mata os outros animais e ficam apenas os dois sobreviventes, e a narrativa se estende em nos contar detalhadamente todas os estratagemas do menino para sobreviver, durante os quase 250 dias em que fica à deriva, tendo por companhia um felino carnívoro de 200 quilos. A luta pela sobrevivência em ambiente inóspito é uma fábula inúmeras vezes relatada pela literatura universal, desde Homero e sua Odisseia, até (para destacarmos a literatura brasileira) Vidas secas, de Graciliano Ramos. No entanto, mesmo que a ideia central do livro não seja original, por mais insólita que a vejamos, estamos diante de uma narrativa poderosa, que nos cativa desde as primeiras páginas e nos leva a uma aventura realmente incrível. O filme de Ang Lee, de 2012, vencedor de vários Oscars, baseado no livro, é bom, mas não substitui a leitura do romance original, que traz detalhes, reflexões e sugestões impossíveis de serem levados à tela. Se você gosta de literatura de aventura, sem dúvida que as aventuras do menino Pi (cujo nome Piscine, em francês, é mesmo “piscina”, o que o levou a sofrer bullying nas escolas onde estudou) irão levá-lo às alturas da criatividade e da imaginação, numa história incrível, comovente e extraordinária.

terça-feira, 22 de outubro de 2024

As dores do mundo, Arthur Schopenhauer

As dores do mundo, Arthur Schopenhauer

Sem dúvida, todo o pessimismo do filósofo com relação ao ser humano está presente em “As dores do mundo”. Principalmente, porque se trata de uma série de reflexões muito pessoais sobre temas como o amor, a morte, a arte, a moral, a religião, a política, a sociedade e o próprio ser humano. Para ele, a existência só traz dor e expiação a todos, mas é através dessa dor que o ser humano atinge a plenitude, se consegue suportá-la e compreendê-la ou mesmo sublimá-la. Sua visão do casamento e da mulher tem todo o viés do pensamento do século XIX, quando a mulher era considerada um ser inferior intelectualmente ao homem, devendo a ele ser submissa, e isso perdura até nossos dias, o que nos leva a entender que todo o movimento feminista desencadeado principalmente a partir da segunda metade do século XX ainda tem muito a conquistar, principalmente porque é preciso mudar uma mentalidade arraigada na mente masculina, o que torna tudo mais difícil. Talvez, através da compreensão do pensamento de Schopenhauer, como toda a sua misoginia, possam as mulheres de hoje adotar estratégias que implodam na cabeça masculina a ideia de diferença entre os sexos, para que a convivência não seja tão tóxica como ainda é tóxica em pleno século XXI. Enfim, é um livro que poderia ser de leitura difícil, por tratar de temas filosóficos complexos, mas o autor tem um estilo extremamente acessível, desenvolvendo suas ideias com precisão e clareza, de tal forma que, mesmo que não concordemos inteiramente com elas, podemos tirar de suas palavras lições importantes para nosso crescimento pessoal e intelectual. Ninguém precisa ter medo de ler um filósofo como Schopenhauer, principalmente esse pequeno manual de assuntos variados e importantes.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Chove nos campos de Cachoeira, Dalcídio Jurandir



Chove nos campos de Cachoeira, Dalcídio Jurandir


Encantamento. Essa a palavra que me veio, ao terminar de ler “Chove nos campos de Cachoeira”, esse longo e complexo romance de Dalcídio Jurandir, com toda a sua carga de regionalismo, eivado de usos e costumes e de vocabulário da região Norte, mais especificamente, da Ilha do Marajó, na então vila de Cachoeira, onde se passa toda a ação contida nessa história de inúmeros personagens. Os principais, em torno dos quais gira todo o enredo do livro, são: Alfredo, o menino que sonha com a cidade grande, no caso Belém, onde poderia estudar e ter um futuro; Eutanázio, seu irmão mais velho, de 40 anos, sempre doentio, apaixonado por Irene, que zomba de seus sentimentos e se entrega ao namorado, engravida, é abandonada, e isso faz que o mundo real do rapaz, que já era sem sentido e sem qualquer atrativo, se desmorone, aumentando os seus males. Além de Irene, há inúmeras mulheres e homens que fazem parte do universo de Alfredo e Eutanázio: a mãe, Amélia, tratada com preconceito pela sociedade, por ser negra e dividir o leito com o Major Alberto, depois de sua viuvez; a prostituta Felícia, cujo quarto miserável é frequentado por Eutanázio e outros; Lucíola, a solteirona que se encantou com o menino Alfredo e o mimou durante toda a sua primeira infância, como um filho, o que a leva a ter conflitos com dona Amélia; Dr. Campos, juiz substituto de Cachoeira, personagem pândego, tão cristão quanto dionisíaco, tão erudito quanto vicioso na cessão aos desejos e prazeres e muitos e muitos outros. E a vila de Cachoeira, talvez a personagem mais presente em toda a narrativa, com seus campos, seu rio, suas ruas miseráveis, mas despertando a cobiça de investidores mal intencionados por verem possível lucro em suas terras inundáveis, durante o período das chuvas, no primeiro quarto do século XX, quando se passa a ação do romance. Destaco a perícia do autor em trabalhar com um universo povoado de muitas personagens, num ambiente pouco conhecido para o leitor comum, o universo de uma ilha quase mítica do Amazonas, trazendo toda a força de um gênero, o romance regionalista, numa linguagem que conserva toda a riqueza da região e ao mesmo tempo nos encanta com um lirismo raramente encontrável na literatura atual. Um livro para se degustar aos poucos, como uma cuia de tacacá bem temperado.

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Uma questão pessoal, Kenzaburo Oe

Uma questão pessoal, Kenzaburo Oe


Um protagonista que não tem nome, conhecido apenas por seu apelido Bird. Leciona inglês num cursinho em Tóquio e tem 27 anos. Sonha com a África, em ir para a África. Por isso, coleciona mapas da África. No entanto, sua esposa está no hospital, em trabalho de parto. Meio distante dela, tenta não retornar ao vício da bebida, enquanto aguarda o nascimento do bebê, mas não consegue. Bêbado, procura a companhia de uma ex-colega de faculdade, Michiko, uma jovem viúva, cujo marido se matou e que hoje leva uma vida livre. A ideia de paternidade mexe com a cabeça dele, Bird, porque imagina que seus sonhos naufragarão. A situação se complica quando fica sabendo que o nascituro tem uma anomalia cerebral e o menino, possivelmente, terá uma vida vegetativa. Sua angústia cresce à medida que se envolve com Michiko, a ex-colega, e à medida que peregrina pelos bares, com a ideia fixa de que deverá matar a criança. Em torno dessa obsessão, o autor nos leva aos meandros da mente de Bird, sem nenhum julgamento moral, apenas narrando o que se passa com o homem que sonhava com a África, que tinha um bom emprego (foi despedido, porque vomitou em plena aula, por estar bêbado), que nunca se imaginara pai e agora se vê preso a uma criatura que vai depender dele para o resto da vida. Seu ressentimento vai num crescendo de angústia e de tormento, inclusive para o leitor que, embora também angustiado, não consegue despregar os olhos da narrativa, mesmo que ele possa vislumbrar, de forma intuitiva, ou levado pelas próprias circunstâncias do enredo complexo e difícil, que ainda haverá esperança de que tudo isso termine de alguma forma não muito cruel. Enfim, não é um romance fácil, todavia é fascinante, pela maestria do escritor que, mesmo através de um narrador onisciente, nos transmite toda a trajetória de desalento e angústia de seu personagem. A ressaltar, para finalizar esse breve comentário, que o autor, Kenzaburo Oe, passou exatamente por uma experiência semelhante, em 1964, quando recebeu a notícia de que seu primeiro filho nascera com uma anomalia cerebral.

domingo, 6 de outubro de 2024

Se a rua Beale falasse, James Baldwin

Se a rua Beale falasse, James Baldwin


No Harlem de 1970, a jovem negra Tish, de 19 anos, grávida de seu namorado, Fonny, de 22, que está preso, acusado de estuprar uma porto-riquenha, luta para provar sua inocência. Esse o ponto central desse romance comovente de Baldwin, um dos maiores nomes da literatura negra estadunidense. Em torno desse enredo, vai-se desvelando, na narrativa em primeira pessoa da jovem Tish, todo o drama que é ser negro nos Estados Unidos nesses tempos de muito preconceito. Nada há que incrimine seu noivo do estupro. É apenas mais um caso de vingança de um policial branco, que se viu humilhado por uma mulher branca, quando impediu que ele o prendesse ao ser acusado de violência ao defender sua namorada do assédio de um jovem italiano branco e meio marginal. Quando teve oportunidade, colocou na cena do crime de estupro o jovem Fonny, manipulando a própria vítima e as testemunhas, provocando nas famílias dele e da moça traumas e tristezas que marcarão para sempre suas existências. Todos os detalhes de relacionamento entre as duas famílias, o desenrolar da gravidez de Tish, o desespero por tentar provar a inocência de Fonny, tudo isso está colocado com um misto de delicadeza e realismo que até mesmo os momentos de violência e sofrimento trazem, para o leitor, a comoção na dosagem exata, para que a história não caia no dramalhão, mas torna clara a intenção do autor de nos levar para o cotidiano de sofrimento e dor da população negra nesse período, denunciando o racismo de forma contundente, sem ser panfletário. Um livro para se ler com a atenção que merecem todos os grandes romances do século XX, sem dúvida nenhuma.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Cadeiras proibidas, Ignácio de Loyola Brandão

Cadeiras proibidas, Ignácio de Loyola Brandão


Livro de contos escritos numa época ainda de muita desolação no Brasil, em 1976, quando a ditadura militar determinava o que podia e o que não podia ser lido, publicado, ouvido ou até mesmo assistido em cinemas, teatros e televisão. Por isso, o autor esconde toda a sua crítica sobre inúmeros assuntos sob o manto do non sense, em relatos que, aparentemente, não têm pé nem cabeça, mas dizem muito sobre o mundo em que se vivia. São contos surpreendentes pela estranheza dos títulos, como, por exemplo, “O homem cuja orelha cresceu”, “O homem que dissolvia xícaras”, “O homem que atravessava portas de vidro”, levando o leitor para o mundo do fantástico em relação a temas do cotidiano, com finais abertos à imaginação e à interpretação. A edição que eu li, publicada bem mais tarde, têm alguns detalhes de atualização, que não causam nenhum desconforto, mas que achei desnecessários. Enfim, se você, leitor dessa resenha, quiser tomar contato com um exemplo desses contos, acesse o blog “Trapiche dos Outros” e procure, no índice, pelo nome do autor, que encontrará um texto retirado desse livro. Que diverte e, principalmente, instiga.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

As aventuras do bom soldado Švejk, Jaroslav Hašek

As aventuras do bom soldado Švejk, Jaroslav Hašek


O bom soldado Švejk é um ordenança. Serve a seus superiores com uma dedicação que, poderíamos dizer, canina, durante a primeira grande guerra. Ele é considerado um idiota pelo exército, ou seja, um indivíduo que não tem noção muito clara da realidade. Será mesmo Švejk um idiota ou se faz passar por idiota para sobreviver às inúmeras trapalhadas de sua confusa trajetória no exército tcheco? Não há resposta para essa pergunta. O que podemos dizer é que Švejk é uma das figuras inesquecíveis da literatura, semelhante a Sancho Pança, um anti-herói pícaro e engraçado, muito engraçado. Ingênuo, mas inteligente. Dissimulado, desastrado, ambíguo. Vive num ambiente extremamente cruel: seus superiores, oficiais do exército, são seres imbecis, brutalizados e mergulhados numa burocracia estupidificante que torna a guerra um espetáculo mais deprimente do que normalmente ela é. E aí está a genialidade do autor: através do riso, da ironia e do sarcasmo, desvenda e critica de forma acerba os horrores do conflito, sem descrever uma só batalha, apenas o ambiente e as situações absurdas em vivem seus personagens, que são inúmeros, já que o batalhão a que pertence o bom soldado Švejk desloca-se interminavelmente pelas estradas de ferro da Europa, sem chegar a lugar nenhum, sem participar diretamente de nenhuma batalha. O escárnio com que trata os militares respinga na mesma ironia com que trata as crenças religiosas, a situação política dos países envolvidos na guerra, as instituições. Através das confusões em que se mete o bom soldado Švejk, odiado pelos superiores a quem ele serve, ao mesmo tempo que sua esperteza faz com que eles não consigam se livrar dele, e ainda, através das longas histórias inventadas ou vividas pelo ordenança, histórias sempre muito engraçadas, algumas tão hilárias que nos provocam gargalhadas, desvenda-se ante nossos olhos a estupidez que leva os humanos a se militarizarem e a se lançarem numa guerra sem sentido, sem objetivo imediato, cujas consequências são apenas a desolação, a destruição de civilizações e a morte. Apesar de longo (algumas edições têm mais de 800 páginas), detalhado e inconcluso (o autor morreu antes de terminá-lo), a leitura de “As aventuras do bom soldado Švejk” é tão prazerosa quanto a leitura de Dom Quixote, tão importante quanto a leitura do conterrâneo do autor, Franz Kafka, o que o torna um dos romances mais importantes do século XX. Cumpre destacar, finalmente, que o autor, Jaroslav Hašek, “nascido em Praga, viveu pouco, de 1883 a 1923, e fez muito. Trabalhou em farmácia, banco, foi comerciante de cães, fundou um partido político — o Partido do Progresso Moderado Dentro dos Limites da Lei —, passou períodos na prisão por suas atividades anarquistas, perambulou pelo país sem um tostão no bolso, foi internado em um hospício depois de tentar o suicídio pulando no rio Moldava, participou da Primeira Guerra Mundial ao lado das forças austro-húngaras, foi preso pelos russos, aderiu aos bolcheviques, foi bígamo, atuou como ator, produziu cerca de doze mil contos, artigos e reportagens, inventou animais quando trabalhou na revista Mundo Animal e faleceu na miséria em um hospital do interior da Boêmia, de complicações cardíacas. E bebeu, bebeu, bebeu, seguindo os passos de seu pai, um mestre-escola que morreu de alcoolismo quando Hašek tinha apenas treze anos. Foi eternizado, no entanto, por este As aventuras do bom soldado Švejk, que, baseado em parte em histórias de sua própria vida, é apontado como a obra escrita em tcheco mais traduzida, para cinquenta e cinco línguas, além de ter sido transportada inúmeras vezes para o cinema e teatro, uma delas servindo de inspiração a Bertolt Brecht”, conforme nos conta seu tradutor, Luís Carlos Cabral.