segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Adeus, Columbus, Philip Roth

 Adeus, Columbus, Philip Roth



Há certos autores a que volto sempre. Philip Roth é um deles. Sua prosa irretocável, às vezes cáustica, às vezes mágica, recarrega nossas baterias para a melhor compreensão do ser humano. “Adeus, Columbus” é seu livro de estreia, uma coleção de textos “mais curtos”, a novela que dá título ao livro e mais cinco contos. São todos obras-primas. Se for resenhar cada texto, farei desse espaço um longo e prolixo alfarrábio cuja pouca leitura – já de poucas pessoas - terá ainda menos corajosos a tentar desbravar. Não tenho, portanto, muito mais a dizer sobre ele, apenas que, dentre tantos não-premiados pelo Nobel, Roth terá sido, talvez, o mais injustiçado.


sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Diário da queda, Michel Laub

 Diário da queda, Michel Laub


Auschwitz. Essa palavra é repetida dezenas, talvez centenas, de vezes ao longo da obra. Obsessivamente. É a chave da história narrada a partir de uma celebração de um bar mitzvah, em que garotos de 13 anos, ao jogar para cima o colega goi do colégio judeu, deixa-o cair ao chão. A partir daí, a busca de um desses garotos, hoje um homem de quarenta anos, por suas origens judaicas, numa reflexão que leva aos escritos do avô, sobrevivente de Auschwitz, escritos estranhos que revelam uma personalidade psicótica e, depois, a relação conflituosa desse jovem com o pai, desse jovem consigo próprio, com sua identidade, que passa, através de três gerações, pela compreensão do que aconteceu em Auschwitz. Como dizia Machado de Assis, o menino é o pai do homem. E hoje, esse homem de quarenta anos que rememora fragmentariamente sua vida, suas neuroses, seus três casamentos e que faz uma espécie de catarse na busca de se livrar do alcoolismo, também se torna pai. E, por isso, precisa dar um novo rumo em sua vida. A narrativa não tem a estrutura comum de um romance ou novela, mas se fragmenta em observações, em trechos dos diários do avô e do pai, em reflexões concisas, mas que vão revelando pouco a pouco a relação entre o homem moderno, setenta anos depois do término da segunda guerra, e tudo quanto aconteceu naquele momento trágico não só com o povo judeu, mas com muitas outras etnias. Como se fôssemos todos filhos de Auschwitz, símbolo do mal maior já ocorrido entre os homens. Uma bela e tocante narrativa, sem dúvida nenhuma.



terça-feira, 23 de novembro de 2021

A casa dos espíritos, Isabel Allende

A casa dos espíritos, Isabel Allende


Clara, Blanca, Alba: avó, filha, neta. Em torno dessas três mulheres transcorrem mais de 70 anos de uma novela que narra a saga de uma família chilena, desde o início do século até o golpe sangrento que derrubou Salvador Allende. Dezenas de personagens cruzam a vida dessas mulheres, com destaque para a sinistra figura de Esteban Trueba, o noivo frustrado de Rosa, irmã de Clara, lá no início da trama, morta prematuramente. De origem humilde, mergulha na exploração de minas e enriquece, voltando para casar-se com Clara, a clarividente, dando início a um clã e a uma história de tirar o fôlego, em termos de estrutura narrativa e de inúmeros acontecimentos. Com o poder econômico, Esteban Trueba torna-se também senador e, como patrão e latifundiário, um dos homens mais poderosos da região. Conservador, mantém sob rédea curta seus empregados e seus empreendimentos, e quando um marxista é eleito presidente, desde o início conspira para derrubá-lo, sem perceber que tem filhos e uma neta que pensam de forma contrária e que isso pode levar a uma grande tragédia. A tragédia do próprio país e mesmo da América Latina, com seus ditadores sanguinários e seu povo amordaçado por forças políticas e escravizado por forças econômicas que o tornam refém do poder que o explora e não admite contestação. Sem dúvida, um dos grandes livros da literatura latina, sempre atual, depois de quase 40 anos passados de seu lançamento. Para ler (ou reler) com o prazer que nos dão as grandes obras, mas também com o travo amargo que nos trazem as narrativas – ainda que ficcionais – que lançam luz à história e aos acontecimentos políticos e sociais da América do Sul e nos ajudam a compreender o quão longe estamos de ideais de igualdade e justiça.




quarta-feira, 17 de novembro de 2021

14 contos de Kenzaburo Oe

 

14 contos de Kenzaburo Oe



Prêmio Nobel de Literatura de 1994, Kenzaburo Oe é um dos mais importantes escritores japoneses da atualidade. Os contos aqui reunidos tratam de temas atuais de seu país, como a incomunicabilidade, o equilíbrio familiar, a política etc., numa ótica bastante peculiar, narrados de forma realista com pitadas de surrealismo ou narrados de forma surrealista com fortes doses de realismo, mesmo quando parecem memorialistas. Impossível fazer, aqui, uma resenha ou mesmo oferecer referências, por mais breves que sejam, de cada conto, já que são todos eles muito longos, quase novelas, embora mantenham a estrutura unicelular clássica do gênero que teve grandes defensores, como Dostoieviski, Edgar Allan Poe, Machado de Assis e dezenas de outros escritores mundo afora. E Kenzaburo não nega fogo, com sua escrita detalhista, precisa, de grande mestre. Então, vou destacar apenas um dos contos, por causa da polêmica que provocou – “Seventeen” – que se baseia no assassinato do Partido Socialista japonês, nos anos 1960, por um adolescente ultranacionalista. É uma profunda reflexão sobre o nível de fanatismo que as ideias políticas podem incutir num indivíduo confuso ou ainda malformado. Na época, foi duramente atacado por ambos os extremos do espectro político. Mas, permanece tremendamente atual. Destaco, ainda, que os 14 contos do livro foram escritos entre 1957 e 1990, bem distante portanto dessa onda negacionista e extremista que vivemos. Enfim, se você quer conhecer a moderna literatura japonesa, não pode deixar de ler Kenzaburo Oe.


domingo, 14 de novembro de 2021

Água doce, Akwaeke Emezi

 Água doce, Akwaeke Emezi



Quando os cinéfilos dos fins dos anos 50 e início dos 60 assistiam, deslumbrados e ao mesmo tempo aterrados, as transformações de personalidade de Eve White, personalizada pela soberba interpretação de Joanne Woodward (que ganhou o Oscar), os mistérios do chamado “transtorno dissociativo de identidade” eram acompanhados do ponto de vista dos autores do livro AS TRÊS FACES DE EVA, os psiquiatras Corbett H. Thigpen e Hervey M. Cleckley e, portanto, vistos de fora para dentro. ÁGUA DOCE, da nigeriana Akewaeke Emezi, novamente nos assombra e nos aterroriza com um caso de personalidades múltiplas. No entanto, a chave narrativa – acionada no intermediário entre ficção e realidade – leva-nos para dentro da personagem e sob um ponto de vista, não da psicologia ou da psicanálise, mas da mitologia africana dos deuses ogbanje. Segundo o mito, ogbanje é uma palavra da cultura Igbo que significa um espírito intruso que nasce em uma forma humana. A autora/personagem nasceu em um corpo feminino, mas não é mulher, identificando-se como transsexual/não-binária, desde quando, durante a sua vinda humana, os deuses que iriam formar sua personalidade não fecharam o portal para que ela se desenvolvesse como mulher, mas foram, aos poucos, crescendo com ela e dentro dela, para torná-la um ser que não se enquadra nas réguas do mundo. Então, a jovem personagem, A Ada, como é chamada no livro, descobre-se uma personalidade partida em várias e, dependendo dos irmãosirmãs que vivem em si, tem atitudes extremas em seus relacionamentos, com muitos amantes, sejam homens ou mulheres. Toda a complexidade da situação é narrada de uma forma paradoxalmente poética e realista, conduzindo-nos com maestria pelos labirintos de sua personalidade, sem qualquer jargão da psiquiatria ou da psicanálise, guiados apenas por esses deuses impessoais e sexualmente neutros, que quase a levam a um caminho sem volta de desajustes de relacionamento e da loucura. Um livro realmente instigante, uma das mais belas e comoventes histórias que já li.


quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Tijolo de segurança, Carlos Heitor Cony

 Tijolo de segurança, Carlos Heitor Cony



Uma ilha que não tem nome (mas identificável como a Ilha do Governador, no Rio de Janeiro) e seus habitantes: velhos aposentados, vagabundos, bêbedos, pescadores, pequenos negociantes etc. Entre eles, Cláudio, casado, duas filhas pequenas, morador num pequeno condomínio cujo dono é seu sogro, juntamente com outros familiares. Cláudio é predador sexual, tem várias amantes e vive angustiado, dividido entre as várias mulheres e a família. A comunidade da ilha vê, de repente, sua calma quebrada por um ladrão ou suposto ladrão que percorre as ruas nas madrugadas, sobe em poste, espia as mulheres dormindo e até as conquista, mas que acaba se tornando uma espécie de lenda, quando a marinha e a aeronáutica, coproprietárias da ilha e responsáveis por sua segurança, armam um grande aparato para capturar o ladrão e não obtêm nenhum resultado. Mas os velhos moradores não se deixam enganar pelo pretenso sumiço do indivíduo, e mantêm vários sistemas de vigilância comunitária. Enquanto isso, Cláudio, apaixonado por uma de suas amantes, torna-se cada dia mais estranho e mais angustiado. Um dia, a vigilância da ilha prende um bêbedo notório da ilha, acusado de ser o tal ladrão. Agredido por um dos moradores mais exaltados, acaba falando demais: diz que sabe quem é o verdadeiro ladrão. A comunidade resolve soltá-lo e deixar que ele se acalme e depois apertá-lo, para que ele confesse o que diz saber. No entanto, ele é assassinado violentamente dentro do barco onde costuma dormir. Agora, não estão mais atrás apenas de um ladrão ou de um mero vagabundo notívago que gosta de pular os muros das casas e espiar as mulheres adormecidas, mas sim de um assassino. O painel de tipos e personagens a desfilar diante de nós traça uma foto 3x4 de uma sociedade complexa, assustada e policialesca dos anos sessenta, data em que foi escrito o livro. Os desajustes psíquicos, a vida fechada numa ilha, onde todos se dão o direito de vigiar o vizinho e saber o que acontece ao redor, a militarização da polícia e sua incapacidade de resolver os problemas do cidadão, tudo isso prenuncia os anos posteriores de escalada da violência que viveu e está vivendo a ex-capital do país. Não é o melhor de Cony, esse grande cronista de nossos costumes, mas é um bom romance, sem dúvida.



segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Discurso da servidão voluntária, Étienne de la Boétie



Discurso da servidão voluntária, Étienne de la Boétie



Escrito na década de 40 dos anos mil e quinhentos, esse discurso só foi publicado após a morte do autor. Nele, Étienne de la Boétie discorre sobre o oxímoro por ele proposto: a servidão voluntária. Se é voluntária, como pode ser servidão? E se é servidão, como pode ser voluntária? Seu tino filosófico se volta para os tiranos que, sendo apenas um homem comum, mas extremamente cruéis, conseguem subjugar centenas, milhares e milhões de criaturas. E por que os seres humanos se deixam escravizar por um tirano que não passa de um ser humano que tem todas as fraquezas de outro ser humano? Suas diatribes recaem sobre essa passividade humana, esse espírito de servidão que faz que tantos seres humanos percam seus bens, sua dignidade, sua liberdade, colocando-se sob as ordens de tiranos. A solução, para o autor, não está na guerra, na revolta, no derramamento de sangue, mas que os seres humanos simplesmente parem de seguir as ordens dos tiranos, que não mais cumpram seus desejos, que não se submetam a seus caprichos. Está aí, talvez, a origem de tantas resistências pacíficas praticadas ao longo da história. Há casos de sucesso, como o jejum de Gandhi, que estremeceu o Império Britânico e levou seu povo à liberdade (ainda que isso seja um mito). Entre muitos pontos importantes e relevantes do Discurso em si, ressalta-se, além de que o poder que um só homem exerce sobre os outros é ilegítimo, outras questões, como: a preferência pela república em detrimento da monarquia; as crenças religiosas que são frequentemente usadas pelas monarquias para manter o povo sob sujeição e jugo; a reafirmação da liberdade e a igualdade de todos os homens na dimensão política; a evidência, pela primeira vez na história, da força da opinião pública; a repulsão a todas as formas de demagogia e, finalmente, o destaque de que a servidão é absolutamente irracional, já a partir do título. Não lhe parece tudo isso extremamente atual?



sexta-feira, 5 de novembro de 2021

A casa das belas adormecidas, Yasunari Kawabata

 A casa das belas adormecidas, Yasunari Kawabata



Eguchi tem 67 anos, é casado e pai de duas filhas já adultas e também casadas. Um dia, seu amigo Kiga lhe contou a respeito de uma casa secreta e que ia sempre lá quando o desespero de envelhecer se tornava insuportável. A casa era um estranho bordel, aonde iam os velhos dormir com garotas totalmente adormecidas e que não acordavam nunca durante a noite. Eles podiam tocar os corpos nus das meninas, todas elas muito jovens, acariciá-las, abraçá-las e depois dormir, também eles, os velhos, drogados por dois comprimidos oferecidos pela casa. Eguchi passa a frequentar a casa das belas adormecidas, deixando em casa a esposa de muitos anos. E todo o enredo do livro transcorre em cinco capítulos, cinco visitas de Eguchi à casa misteriosa. Tudo se passa nesses encontros em que o velho aprecia a beleza das meninas, enquanto passam por sua cabeça pensamentos estranhos, desejos ocultos, além de lembranças de acontecimentos de sua vida, outros amores. A cada noite, há uma garota diferente, um cheiro diferente, uma tessitura de corpo e um desalento adormecido completamente diferentes. De onde vieram essas garotas? Quem são elas? Por que se deixam dopar para dormirem com velhos impotentes? A não-posse, ou a impossibilidade da posse, os desejos apenas esboçados e lembrados, embora Eguchi ainda se ache capaz de realizá-los, preenchem os pensamentos dele, durante aquelas noites estranhas, de gestos e rituais preestabelecidos, como a recepção por uma mulher de meia idade que lhe abre a porta do bordel, serve-lhe o benchá e o leva para o estranho quarto onde sua companheira noturna o aguarda, completamente adormecida e nua. Essa atmosfera claustrofóbica nos leva a pensar sobre a vida, o amor, o erotismo e a morte, o que torna essa insólita narrativa um dos livros mais instigantes que já li. Mais uma bela obra da atual literatura japonesa, aos poucos traduzida e descoberta pelo público brasileiro.


quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Contos de fadas eróticos, Nancy Madore

 

Contos de fadas eróticos, Nancy Madore



Recontam-se contos conhecidos e outros nem tanto, a partir de uma perspectiva mais realista, buscando o lado erótico das personagens. Mas, o estilo da autora é bastante rebuscado, não atingindo exatamente o objetivo de provocar arrepios na pele, com descrição de situações sexuais e picantes. Fica na periferia do erotismo, mais sugerindo do que narrando tais situações. O único conto um pouco mais explícito, mas só um pouco, é “Branca de Neve na floresta”, no qual a autora solta mais a imaginação erótica ao narrar as estripulias da protagonista com os sete anões que se transformam em príncipes para transar com ela, o que nos deixa com uma ponta de suspeita de preconceito para com os anões, que não seriam capazes de satisfazê-la enquanto na forma de anões. Enfim, um livro para se divertir um pouco num fim de semana tedioso.