segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Paraísos artificiais, Charles Baudelaire


 Paraísos artificiais, Charles Baudelaire


Thomas de Quincey (Greenheys, Manchester, 15 de agosto de 1785 - Edimburgo, 8 de dezembro de 1859) atravessou momentos difíceis em sua juventude. Após diversos anos passados em um colégio de Manchester, partiu a pé para Londres a fim de regularizar sua situação. Sozinho e sem dinheiro, conseguiu, contudo, entrar em contato com seus tutores; foi então enviado a Oxford, onde brilhou nos estudos. Atacado por fortes e frequentes nevralgias, procurou aplacar a dor com ópio. Em pouco tempo o vício dominou-o, apesar de se esforçar inutilmente por deixá-lo. Sua luta contra o vício durou de 1804 até 1813, data em que se declarou um "opiômano regular e inveterado". Sua experiência com o ópio está no clássico “Confissões de um comedor de ópio”. E sobre este livro que, basicamente, trata Charles Baudelaire em seu “Paraísos artificiais”, comentando e traduzindo (para o francês) trechos inteiros do livro. Além desse ensaio sobre o ópio, também escreve sobre o haxixe e o álcool (o vinho), baseado em suas próprias experiências na convivência com poetas, pintores e intelectuais franceses que se reuniam do Club des Hachichins, no Hotel Pimodan. Sem dúvida, pode-se ler Baudelaire sem haver lido antes De Quincey. No entanto, a narrativa do inglês enriquecerá muito a compreensão de “Paraísos artificiais”, e as duas obras constituem dois grandes monumentos à compreensão do motivo por que o ser humano precisa do auxílio de drogas que lhe propiciam prazeres inauditos ao mesmo tempo que o escraviza e o leva a situações de miséria moral, intelectual e física.


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Baixo esplendor, Marçal Aquino

 Baixo esplendor, Marçal Aquino



Miguel é o codinome do policial infiltrado numa grande quadrilha de roubo de cargas, em 1973, em plena era da ditadura militar. Para conseguir entrar no bando, aproximou-se do chefe do bando, conquistando sua confiança. Mapeia para a polícia toda a movimentação dos ladrões e seus componentes, enquanto mantém um tórrido romance com Nádia, a irmã do chefão. Acredita que esse romance, que se transforma em paixão recíproca, não irá atrapalhar o seu rompimento tanto com a mulher quanto com o bando, quando chegar o momento de vir a público toda a sua investigação, com a prisão dos meliantes. Mas fica cheio de dúvidas, quando a polícia fecha o cerco em torno da quadrilha e a sua ligação com Nádia acaba conduzindo-o para um desfecho inimaginável, quando concordou com a operação. Numa linguagem ágil, sem meias palavras, a história prende o leitor que aprecia a literatura policial desde as primeiras linhas. E vai desvendando truques e tramoias da quadrilha tanto quanto vai mergulhando nas relações entre os bandidos, suas brigas internas, seus ciúmes e suas intrigas. As personagens centrais, Miguel e Nádia, são poderosas o suficiente para se tornarem inesquecíveis dentro desse tipo de literatura, sem dúvida uma criação surpreendente desse bom escritor, que é Marçal Aquino, cujas obras têm sido roteirizadas e levada ao cinema, dando-nos, pelo menos, dois filmes bastante interessantes, “O invasor” e “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios”, ambos dirigidos por Beto Brant.


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

A história secreta, Donna Tartt

 A história secreta, Donna Tartt



Seis amigos, seis colegas de turma. Cinco deles decidem matar o sexto. Quais as consequências desse ato? Parece mais um livro de detetives, de busca ou de punição a um assassino. Só parece. Resumo do enredo, para melhor explicarmos, sem muitas revelações, claro: numa pequena, mas prestigiada universidade do interior estadunidense, um excêntrico professor de cultura clássica, de grego, mais especificamente, reúne em sua turma poucos estudantes. No caso, apenas seis, entre eles um casal de gêmeos. São todos muito inteligentes e cultos. Deslumbrados pela cultura grega, quatro deles resolvem recriar um culto dionisíaco na floresta e, durante o transe, acabam assassinando um fazendeiro. O quinto colega descobre tudo e pode denunciá-los, devido à sua instabilidade emocional ou ao excessivo do uso de álcool e drogas ou, ainda, a um senso de moral e ética. Aliás, o consumo alcoólico entre os estudantes é realmente espantoso. E também de drogas. O novato da turma, o narrador da história, acaba envolvido por eles num complexo plano para matar o colega que pode denunciá-los. O crime é cometido. E então eles descobrem não só o inferno que é impedir que a polícia – e até o FBI é chamado, e pode revelar tráfico de drogas etc. – descubra o que fizeram, mas muitos outros fatores psicológicos e sociais estão envolvidos num assassinato, desde a convivência entre eles e os demais colegas da faculdade, até a relação do grupo com a família do morto, já que, por serem tão poucos e tão íntimos, há todo um histórico complexo de relações familiares. E eles descobrem que, ao matar um indivíduo, o mal causado não se restringe à eliminação apenas dessa pessoa, mas atinge uma gama muito grande de pessoas, familiares, amigos, colegas, comunidade, além da repercussão da morte trágica nos canais de comunicação. A turma de estudantes assassinos aos poucos entra num processo de autodestruição de consequências trágicas. E é esse longo e penoso relato o que constitui o principal atrativo desse livro que nos leva aos interstícios daquilo a que comumente se denomina “a alma” humana, os seus temores e remorsos, tornando instigante e, ao mesmo tempo, asfixiante a leitura da obra. O lado obscuro do ser humano, o lado obscuro de uma juventude meio sem perspectiva, mergulhada no egoísmo, no alcoolismo e no tenebroso universo das drogas, que criam no indivíduo um senso deturpado da realidade, esse o leit-motiv, o arcabouço principal da história, que não se resume à busca ou à punição de assassinos.


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Novelas nada exemplares, Dalton Trevisan

Novelas nada exemplares, Dalton Trevisan



Veneno. Veneno puro o que os seres humanos são capazes de fazer uns aos outros e a si mesmos. Essa a matéria prima dos contos de Dalton Trevisan, livro lançado em 1959. Sua escrita, comentada e decantada por décadas, já continha nesses contos o estilo telegráfico, as frases curtas e, principalmente, os vácuos entre os fatos, “vácuos sintagmáticos”, que permitem ao leitor completar com sua imaginação os acontecimentos que o autor propositadamente deixa de detalhar, o que torna a leitura um delicioso exercício de inteligência. Nesse livro, ainda os contos são um tanto longos, já que, mais tarde eles se tornaram cada vez mais curtos e precisos. Mas, repito, já está lá toda a genialidade do contista na estruturação, com poucas pinceladas, de personagens miúdas, gente do povo, “gente como a gente”, todas capazes, como disse, de destilar maldades como todos os seres humanos, na imaginação ou na realidade de vidas miseráveis ou “marginais”, no sentido de viverem suas vidas medíocres e empobrecidas quase à margem da sociedade: funcionários de repartições, mulheres “do lar”, prostitutas novas e velhas, assassinos ou jovens donzelas que se entregam aos prazeres do amor, às vezes com profundos arrependimentos, outras vezes com intenções escusas que o leitor nem sempre consegue decifrar. Há vinganças e desatinos, corações partidos e traições reais ou apenas imaginadas, num mergulho naquilo que de mais profundo há nos seres humanos: suas angústias, mas também sua capacidade de transformar grandes delitos em acontecimentos do dia a dia. Ler e reler esse que é um de nossos maiores contistas nos leva a viajar por nossa própria vida e a nos dar força para superar nossa própria mediocridade. Um autor sempre obrigatório, um ícone.


terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Doutor Jivago - Boris Pasternak

 Doutor Jivago - Boris Pasternak



Talvez a história deste livro seja mais interessante que o próprio livro, nos dias atuais. Rejeitado por editores russos, Pasternak enviou várias cópias do manuscrito a amigos que viviam no Ocidente. Em 1957, Feltrinelli obteve o manuscrito e conseguiu publicá-lo numa edição italiana, apesar dos esforços da União dos Escritores Soviéticos em tentar impedir sua publicação. O sucesso do livro levou o editor Feltrinelli a ceder os direitos a várias línguas, além de ser expulso do PCI. Aí, entrou em campo a CIA: com o intuito de embaraçar o governo soviético, decidiu publicar o livro em língua russa e providenciou para que fosse distribuído no pavilhão do Vaticano na Feira Mundial de Bruxelas, de 1958. Além disso, publicaram-se versões em inglês e francês. E mais: diz a lenda que a CIA ajudou a que o livro fosse submetido ao Comitê Nobel, para que Pasternak ganhasse o prêmio Nobel. Ele, de fato ganhou, mas foi obrigado a renunciar. Politicagem à parte, “Doutor Jivago” pertence à galeria dos romances realistas russos. A história cobre o início da Revolução de 1917 e suas consequências, na década seguinte. Jivago, no começo, é um idealista jovem, formado em medicina, que se casa com Anna Ivanóvna e com ela tem dois filhos. A família é obrigada a se mudar para um lugar distante, nos Urais, onde o doutor reencontra Lara, uma menina que ele vira uma vez há muito tempo e que o encantara. Ela, agora, é uma professora, também meio fugitiva do regime, porque seu marido, que a abandonara por um ideal de luta, tornou-se procurado. Encetam um romance. Mas o doutor é capturado pela guerrilha e passa dois anos longe de casa e de Lara. Ao voltar, a família havia voltado para Moscou e ele reencontra Lara, com quem passa a viver. Lara, no entanto, precisa partir para preservar sua vida e a vida de sua filha. Jivago deixa que ela se vá e, depois de um período sozinho, consegue retornar a Moscou em péssimas condições, como andarilho, praticamente um mendigo, juntamente com um jovem também andarilho. Mas a família havia abandonado a Rússia e estava agora em Paris. Não podendo sair de Moscou, ali vive de alguns escritos e às voltas com miséria, até se casar com Marina, uma vizinha. Com ela, tem duas filhas. Quando, enfim, obtém um bom emprego, não chega a começar a trabalhar... Bem, paremos por aqui. O livro é longo, tem longas descrições de paisagens. E mais: na imensa Rússia, tem coincidências demais. As personagens, que são inúmeras, vivem se encontrando e se reencontrando nas mais diversas situações e lugares. Pode-se dizer que a ficção, quando nos leva para seu mundo, tem liberdades que parecem absurdas, mas se aceitamos o jogo proposto, nós nos acostumamos com elas e as aceitamos. Enfim, para concluir: pode-se desculpar, em termos históricos, a desconfiança e a crítica do autor para com a Revolução; pode-se emocionar com o fervor nacionalista de Jivago e com as agruras por que ele, sua família e também a pobre e perseguida Lara passam; pode-se até desculpar o excesso de coincidências e o seu estilo às vezes repetitivo; pode-se ler o longo romance de Pasternak com um certo prazer, sim, mas não se pode dizer que ombreie com Tolstói, Dostoievski, Pushkin etc.


sábado, 12 de fevereiro de 2022

A relíquia, Eça de Queirós

 A relíquia, Eça de Queirós



Uma longa piada, só possível de ser contada do jeito que foi: por um dos mestres da língua portuguesa. Teodorico fica órfão e, depois de passar por vários conventos e casas de recolhimento, acaba sendo recebido por sua tia, para completar sua educação. Ela é uma carola de carteirinha. E rica, muito rica. E viúva sem filhos. O jovem Teodorico deseja herdar a fortuna da tia, mas fica sabendo que tem concorrentes: ela pretende deixar seus bens para os padres. Então, bola um plano: conquistar a confiança da tia, para ser o único herdeiro. Para isso, torna-se mais carola até que a própria tia, frequentando missas, rezando com ela todos os dias, ajoelhado ao pé do altar caseiro e demonstrando seu fervor católico de mil e uma maneiras, enquanto leva, em Lisboa, uma vida dissoluta, com as “mulherinhas”, como diz o autor-narrador. Para provar definitivamente sua fé, convence a tia a enviá-lo numa peregrinação à Terra Santa, de onde promete trazer relíquias que melhorem o estado de saúde da velha, ao mesmo tempo que deseja sua morte. Também sabe que, se a tia descobrir suas aventuras com as “mulherinhas”, será expulso de casa, sem direito a nada. Viaja para Jerusalém e, ao lado de um sábio alemão, um arqueólogo, tem na chamada cidade santa uma espécie de longo delírio com a prisão, condenação e morte de Jesus. Prosseguindo no seu plano de conquistar de vez o coração da velha tia, escolhe uma relíquia – falsa, naturalmente – que a leve definitivamente a considerar o sobrinho um santo. Mas as coisas não saem como o esperado. Teodorico, na verdade, não acredita em nada, é tudo um fingimento. O autor, Eça de Queirós, dá-nos uma lição de mestre da língua, numa história deliciosamente contada do começo ao fim, com ironia, suspense, longas e belas descrições, além de nos brindar com sua verve profundamente crítica ao exacerbado catolicismo português.



quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Beatriz, Cristóvão Tezza

Beatriz, Cristóvão Tezza



Quando se fala de contos, temos uma imensa variedade de tipos: desde os longos contos dos autores do século XIX, como Poe, Machado, Dostoievski etc., que são até mesmo divididos em capítulos, até os micro contos da literatura contemporânea; há contos de uma única personagem até contos povoados de personagens de todos os vieses; há contos narrados em primeira pessoa ou com narrador onisciente em terceira pessoa... Enfim, são muito variados. Neste livro de Cristóvão Tezza temos sete contos mais ou menos longos. O que o torna um pouco diferente é que todos os contos giram em torno da mesma personagem, Beatriz. Podia ser um romance, mas a estrutura independente de cada uma das narrativas não deixa dúvida quanto ao gênero do livro. Numa breve resenha, não faz sentido tentar resumir ou discorrer sobre o enredo de cada história. Então, só o que nos cabe dizer é que Beatriz, a personagem, é uma jovem de aproximadamente 28 anos, revisora de textos, que se envolve em várias situações ora dramáticas ora cômicas, mas sempre muito bem narradas pelo autor, na cidade de Curitiba, o que faz, sem dúvida do livro Beatriz uma ótima leitura para um fim de semana.



domingo, 6 de fevereiro de 2022

A flecha de Deus, Chinua Achebe


A flecha de Deus, Chinua Achebe



Nigéria, década de 20 do século passado. A aldeia de Umuaro tem como sumo sacerdote Ezeulu e vive conflitos internos com aldeias vizinhas. Além disso, há a ameaça das crenças e da imposição política do homem branco, de ingleses conquistarem o território. Ezeulu envia seu filho, Oduche, à igreja do homem branco para ser os seus olhos e, então, poder proteger a aldeia do avanço das suas crenças. Nem todos os anciãos, no entanto, concordam com essa ideia e Ezeulu tem que tomar decisões importantes, que implicam o futuro de seu povo. Do outro lado, há o capitão Winterbottom, responsável político pela região, que se vê também obrigado a tomar decisões com as quais não concorda. Sabe que os povos africanos são tribalistas e não aceitam a ideia de um governo central, um rei. Mas, há uma ordem para que ele nomeie alguém de confiança para ser uma espécie de rei, de representante da coroa, na região de Umuaro. Escolhe Ezeulu. São dois mundos distantes, em conflito de língua, hábitos e costumes. E o autor não nos poupa na descrição deliciosa e rica de detalhes da espécie de visão de mundo dos nigerianos daquela região. Seu modo de compreender a vida, com características marcantes da linguagem, rica de comparações e de referências que soam estranhas aos nossos ouvidos: “se você me ouvir novamente perguntar-lhe sobre isso, pegue meu nome e o dê a um cachorro”; “se o lagarto do lar se esquece de fazer as coisas pelas quais sua espécie é conhecida, ele será tomado por um lagarto da roça”... Assim que nos acostumamos com esse tipo de linguagem e com todos os detalhes da vida nos povoados de Umuaro, passamos a seguir o pensamento de Ezeulu com prazeres cada vez mais renovados, partícipes de um mundo que se descortina ante nossos olhos, um mundo talvez arcaico e primitivo, mas rico, muito rico de cultura, de beleza e de costumes. A literatura africana, que aos poucos se mostra ao mundo, tem talentos inexauríveis e grandes contadores de história, como esse nigeriano fantástico que se chama Chinua Achebe.



quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Pequenas epifanias, Caio Fernando Abreu


Pequenas epifanias, Caio Fernando Abreu



A crônica é um texto jornalístico que tem por características principais a brevidade e o comentário de um acontecimento. Crônicas: leem-se, diverte-se com elas e esquece-se. Como aqueles calendários antigos dos quais tirávamos uma folha por dia e, por isso, denominavam-se “folhinhas”. Só que não é bem assim: aclimatada ao “jeito” brasileiro, aqui ganhou foros de boa literatura, desde Machado de Assis, passando por Drummond, até chegar a Rubem Braga, só para citar nossos mais destacados cronistas. Escreveram-se crônicas de todos os tipos: líricas, sérias, engraçadas, políticas, sociais etc. Muitas, muitíssimas tornaram-se obras primas e são lembradas e cultuadas, assim como seus autores. Pela técnica, pela verve, pela perspicácia ou pelo estilo. Pequenos monumentos literários. E chegamos a “Pequenas epifanias”, as crônicas de Caio Fernando Abreu. Escritas e publicadas nos jornais dos anos 90, viraram esse livro que comento agora. Seu estilo é ímpar, e seus temas, embora variados, são intimistas, o que é praticamente uma novidade no gênero. Divertimo-nos com suas observações sobre viagens e sobre cidades, São Paulo e Porto Alegre, às vezes o Rio de Janeiro; emocionam-nos suas homenagens a amigos e amigas que se foram; encantam-nos suas pequenas descobertas da vida etc. etc. Ao longo das páginas, em ordem cronológica, as crônicas – que são o tempo breve eternizado num pequeno texto - vão ficando tristes: o poeta e cronista arguto vai deixando rastros de sua condição de doente terminal, mas não há queixas, apenas a constatação, a cada palavra, a cada frase, a cada página, de que ele está se despedindo, sem mágoa, sem reclamar, apenas aqui e ali a referência a hospitais, a internações, a invernos e a jardins que se estiolam com o inverno, que o poeta ganhou em seus últimos tempos mais essa epifania, o gostar de jardins, de dizer que gostaria de ser jardineiro. E vai nos tomando uma tristeza... não, não é exatamente uma tristeza, mas um desgosto por uma vida que se esvai tão inutilmente, como tantas se foram, por causa de um vírus maldito, e pensamos que muitos que se foram nessa verdadeira epidemia ou pandemia, sei lá, que apagou tantas vidas iluminadas, podiam ter permanecido acesas um pouquinho mais, que logo algumas drogas estavam aí, para lhes dar sobrevivência. E Caio F. se foi, num 25 de fevereiro de 1996, em sua Porto Alegre, antes de completar 50 anos de vida, um cara que nos revelou as epifanias dessas crônicas fantásticas que, escritas naqueles anos 90, têm ainda o frescor e a beleza das rosas e begônias que se renovam a cada ano em todos os jardins, as rosas, begônias e tantas outras flores que ele amava e cuidava, como cuidou de sua literatura.