sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Poemas para o palco – segundo ato, Eliana Iglesias

 Poemas para o palco – segundo ato, Eliana Iglesias


Os leitores mais novos talvez nunca tenham ouvido falar de Orestes Barbosa, um compositor brasileiro. É dele (e de Silvio Caldas) uma canção famosa, chamada “Chão de estrelas” que começa com este verso: “Minha vida era um palco iluminado...” A vida como um palco é a metáfora subjacente nos versos de Eliana Iglesias, nesta coletânea de poemas. Sua experiência como atriz e dramaturga levou-a a escrever esses versos para serem lidos, não necessariamente num palco. Experimente lê-los em voz alta. Para você mesmo, para você mesma, ou para um grupo de amigos. Na escola. Numa reunião social. Ou até virtual. A autora eliminou quase que completamente a pontuação para que cada um possa encontrar o seu ritmo, estabelecer as pausas de acordo com sua respiração e sua sensibilidade. Porque, ao lê-los em voz alta, você encontrará drama, humor, romance, amor, ironia, observação aguda da realidade. Quando a própria autora, diante de uma plateia, declama seus poemas, pode ter certeza: ela se sente num “palco iluminado” e transmite para seus ouvintes uma experiência única de encantamento e prazer. E isso acontece a cada última quinta-feira do mês, na Cantina do Piolin, quando ela comanda mais um desses grupos de resistentes que existem espalhados por São Paulo, que se encontram para ler poemas, discutir filmes, falar de cultura, de teatro, de música e de mil e um assuntos. Experimente você também a deliciosa prosódia de Poemas para o palco – segundo ato.

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Fragmentos, Djanira Pio



Fragmentos, Djanira Pio


Em meio a inúmeros volumes mais polpudos, encontro na minha estante este livro “magrinho”, de Djanira Pio: Fragmentos (contos). E lá está uma dedicatória, com a data de 2001. Já o li, com certeza. Mas resolvo lê-lo de novo, depois de tantos anos. Porque me desperta uma saudade imensa de um tempo que vivi e durante o qual convivi com a autora, todo mês, nas reuniões do “Grupo de Contistas de São Paulo”, na casa de uma saudosa e querida amiga, Cármen Costa, que coordenava o grupo e propunha a nós, para a reunião do mês seguinte, um tema mais cada vez mais estranho. Reclamávamos. Mas, sempre conseguíamos vencer o desfio de escrever um conto com aquele tema. E nos divertíamos, enquanto afiávamos nossas penas, com os comentários de cada participante. Bons tempos. Mas, voltemos a Djanira Pio e seu livro “magrinho”. Nas suas sessenta e poucas páginas, no entanto, estão 22 contos. O grupo de contistas coordenado por Cármem Rocha tinha por objetivo escrever contos curtos, ao contrário da tradição de grandes gênios desse gênero, como Poe, Dostoievski, Machado de Assis e tantos outros, que possuíam o dom de nos enredar por longas páginas de contos extraordinários. Contentávamos em, ou nos esforçávamos para concentrar em poucas páginas nossas histórias. Assim, portanto, são os contos de Djanira. Às vezes, meia página, dois ou três parágrafos. Mas lá está a essência de uma história que nos leva a imaginar, através dos vácuos sintagmáticos que ela cria, muito mais do que ela escreve. E com que ternura ela descreve as vidas de seus personagens! No entanto, não se engane o leitor: atrás de toda a aparente placidez de suas palavras há mundos complexos e muitas vezes até mesmo cruéis, num calidoscópio de emoções humanas que nos instigam. Então, como não é possível comentar, nessa breve resenha, cada um dos 22 contos, alerto meu leitor que se aventurar por suas páginas que não se deixe enganar: leia, releia, pense, imagine, sonhe, e fique perplexo coma sagacidade dessa grande contista.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Por que nós dormimos?: a nova ciência do sono e do sonho, Mattew Walker



Por que nós dormimos?: a nova ciência do sono e do sonho, Mattew Walker



Quando adoecemos, buscamos a causa da doença na genética; nos maus hábitos de vida, como beber ou fumar; na alimentação de má qualidade, com a ingestão exagerada de gorduras, de açúcares e de sal; no estresse do trabalho e em muitos outros motivos. No entanto, quase nunca nos lembramos de uma causa que nos parece, à primeira vista, improvável: a privação de sono. Há uma verdade que a maioria de nós desconhece: porque dormimos mal, adoecemos. Essa é tese defendida pelo autor, o cientista e pesquisador do sono, Mattew Walker. Todo ser vivo dorme, sem exceção. Por que a natureza nos obriga a isso? Para buscar essa resposta e nos explicar, de forma clara, objetiva e acessível por que dormimos, o autor nos leva através de uma longa viagem sobre o conhecimento do sono. O cérebro precisa de uma forma peremptória do descanso do sono para nos manter saudáveis. Durante o sono, recuperamos não só a saúde de nossas células cerebrais, mas também a saúde de todo o sistema nervoso que nos mantém vivos. E para executar bem sua função, nosso cérebro necessita de, pelo menos, sete horas diárias de sono. A privação de sono e também a pouca quantidade diária de sono causam transtornos tremendos em nosso organismo e adoecemos: prejudicam nosso raciocínio e nossa criatividade; provocam doenças como câncer, diabetes, deficiências cardíacas e muitas outras. Mas não é só isso: a privação de sono causa prejuízos na economia, quando milhões de funcionários trabalham sonolentos e sem produtividade; quando provoca acidentes e mortes no trânsito; quando profissionais da saúde atendem seus pacientes depois de uma noite de pouco sono e erram diagnósticos, provocando até a morte; quando as crianças e os jovens acordam cedo, privados do sono matutino, e vão para a escola e, por causa disso, seu desempenho de aprendizagem fica prejudicado. Enfatizo o que diz o autor sobre mortes no trânsito: uma pessoa embriagada tem seus reflexos prejudicados, mas ainda tem algum reflexo; um motorista que dorme ao volante não tem reflexo algum e bastam alguns segundos de sono, que paralisa todo o seu corpo, para que um veículo a 100 quilômetros por hora, por exemplo, cause um acidente de gravíssimas consequências. No entanto, há inúmeras campanhas contra a embriaguez ao volante e nenhuma contra a privação de sono de inúmeros motoristas que estão rodando por nossas estradas e provocando acidentes terríveis. Enfim, há uma lista interminável de mazelas que a privação de sono tem causado à humanidade, principalmente a partir da revolução industrial e especialmente ao longo do século XX, quando se afirma que há uma epidemia de insônia nos países ditos civilizados. Ao final, o autor propõe uma série de medidas que poderiam mitigar os males da privação de sono em termos sociais, econômicos e pessoais. Talvez você, leitor, possa tirar algum proveito dessas recomendações – que, no terreno do pessoal, são excelentes – mas me permito discordar um tanto da premissa de que a melhora nas condições de sono de milhões de pessoas possa alterar profundamente o rumo das mazelas provocadas pela privação de sono, já que a causa maior de todas elas está intimamente relacionada ao capitalismo predador e insensível, que mói as mentes e os corpos de todos nós, de forma implacável, com o único intuito de obter lucros. De qualquer modo, se você dorme menos de sete horas por dia, leia, leia sim, esse livro e tenha pesadelos ou até mais noites insones, se não mudar radicalmente seu estilo de vida em relação à percepção de que a privação de sono e a quantidade diária insuficiente de um bom sono, de um sono de qualidade, estão na origem de muitos de nossos males. Ah, sim, uma última advertência (de tantas que estão no livro) que o autor nos traz: não tome pílulas ou remédios para dormir, que isso agrava ainda mais a qualidade do sono, além de serem inúteis, já que eles – todos esses medicamentos – causam apenas sedação (que não é sono) e dependência. Enfim, um livro que deveria ser leitura obrigatória de nossos governantes (e de todos nós), para que tomassem medidas sanitárias contra a ideia corrente de que se pode viver bem com menos de sete horas de sono por noite. E não tive tempo, nessa breve resenha, de comentar o que diz o autor sobre os sonhos. Mas, leia o livro. Leia.

domingo, 10 de novembro de 2024

Anos de chumbo e outros contos, Chico Buarque


Anos de chumbo e outros contos, Chico Buarque

São oito contos: 1. Meu tio – uma família em dificuldades financeiras faz vista grossa ao incesto entre a filha adolescente e o tio poderoso; 2. O passaporte – um grande artista se vinga de um hater que o sabotou, mas...; 3. Os primos de Campos – uma relação complicada entre garotos e familiares, um desatino; 4. Cida – a história de uma mulher de rua, como tantas que existem por aí, e seu final...; 5. Copacabana – uma viagem por Copacabana através de grandes escritores latinos; 6. Para Clarice Lispector, com candura – um jovem tenta fazer que a grande escritora leia seus poemas; 7. O sítio – um casal, em sua primeira viagem, isola-se num sítio distante; 8. Anos de chumbo – um garoto simula com seus soldadinhos de chumbo uma guerra, que acontece entre seus pais, mas não só... Não pense o leitor que sejam histórias “fáceis”. Sim, são fáceis de ler, mas todas têm um agudo senso de observação das relações humanas e escondem, em suas metáforas e em suas tramas, um retrato bastante amargo da realidade brasileira, dos seres humanos e seus relacionamentos muitas vezes tóxicos. Chico Buarque não brinca, e assim como em muitas de suas canções trazem lampejos da realidade, através do jogo de palavras, escondendo suas verdadeiras intenções, também aqui, na prosa do conto – um gênero que só parece fácil para os incautos – sua visão de mundo e sua crítica social e política se aprofundam e fazem desses oito contos um retrato em branco e preto de uma realidade extremamente preocupante por que estamos passando, em termos sociais, humanos e políticos. Um pequeno livro, um grande susto que nos prega um grande autor, afinal.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Don Juan (narrado por ele mesmo), Peter Handke



Don Juan (narrado por ele mesmo), Peter Handke


Na Île-de-France, numa região próxima às ruínas do monastério de Port-Royal-des-Champs, o dono de uma pousada decadente, solitário e ocioso, ávido leitor de Racine e Pascal, decide parar de ler e essa sua decisão coincide com o aparecimento de Don Juan, ele mesmo, o famoso conquistador, personagem de inúmeras obras literárias e musicais, no jardim de sua casa. Vinha fugido de um casal de motoqueiros, que ele surpreendera fazendo amor em uma ravina, e que se se enraiveceram com o voyeurismo de Don Juan. Acolhido pelo cozinheiro, o famoso conquistador irá desfilar suas aventuras para ele, que as reconta para nós (o “narrado por ele mesmo” do título é só um truque literário). São aventuras edulcoradas pelo estilo do autor, metafórico e deliciosamente entretecido de considerações e descrições que nunca chegam ao que de fato aconteceu com o ilustre visitante, mas apenas nos dão uma ideia das conquistas realizadas em vários países, de diversas mulheres, todas igualmente belíssimas (na imaginação de Don Juan ou na imaginação do narrador?). São seis dias de narrativas, seis conquistas, seis países ou lugares diferentes, desde a África até a Holanda. Imaginação, criatividade, enleio e, principalmente, o que vai conquistando o leitor é essa visão de um Don Juan extremamente personalizado, o Don Juan do autor, como ele mesmo diz no final do livro. Não é uma leitura fácil, ou seja, exige do leitor a capacidade de se encantar com as palavras, com o estilo e com as aventuras devidamente estilizadas pela pena de Peter Handke, mas pode-se ter certeza de que é uma aventura literária de sabor e cor poucas vezes encontrados na literatura, principalmente com relação a esse personagem que parecia já desgastado e que ressurge pleno de vigor, tanto como personagem quanto como ser humano, para nos surpreender mais uma vez.

domingo, 3 de novembro de 2024

Se os gatos desaparecessem do mundo, Genki Kawamura

Se os gatos desaparecessem do mundo, Genki Kawamura


Quem não gosta de gatos vai achar que a história desse livro é muito emotiva, quase sentimentaloide e independe de que os gatos desapareçam ou não do mundo; quem gosta de gatos vai achar que a história desse livro é muito , quase sentimentaloide, emotiva e vai ficar torcendo para que os gatos não desapareçam do mundo. Seja qual for a sua visão em relação aos gatos, a verdade é que estamos diante de uma ficção muito bem elaborada para falar de seres humanos e suas relações complicadas. E com muita sensibilidade. Já escrevi algures que a literatura ficcional no propõe um jogo, ao começarmos a ler um conto, um romance, uma novela: se aceitamos as regras que o autor nos coloca, viajamos para uma espécie de mundo além do mundo que reflete a existência humana em todas as suas nuances e, então, sempre estaremos, mesmo que a história seja a mais surreal e fantástica, no mundo humano. O jogo que nos propõe o autor japonês é acreditarmos que o narrador, um carteiro de 30 anos, ao descobrir que tem pouco tempo de vida, encontra um demônio divertido que lhe diz que pode aumentar seu tempo de vida fazendo desaparecer do mundo alguma coisa. E o primeiro objeto que ele faz desaparecer é o telefone celular. Enquanto as coisas vão desaparecendo, ele nos fala de sua vida, da morte da mãe, dos conflitos com o pai, dos dois gatinhos que lhe trouxeram conforto em momentos cruciais da família, da primeira namorada, enfim, de tudo que passou nesses trinta anos e por que se tornou entregador de cartas. Mas, quando chega o momento em que o diabo lhe propõe fazer desaparecer os gatinhos do mundo, o narrador descobre em si mesmo mais sentimentos e dúvidas sobre a vida do que tudo o que passara até esse momento. Prepare o lenço, porque o livro emociona e nos traz reflexões bastante interessantes sobre a nossa existência e a nossa essência como seres humanos.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Quem matou meu pai, Édouad Louis

Quem matou meu pai, Édouad Louis


Um romance curto, apenas 48 páginas, mas de grande força emotiva e confessional. O jovem autor, fenômeno da literatura francesa contemporânea, tem a pena afiada e um estilo cativante, para narrar seu acerto de contas com o pai, ao mesmo tempo que faz uma crítica social e política à direita de seu país, que tira dos pobres para dar aos ricos, que mantém, numa Europa economicamente rica, ilhas de pobreza e de exclusão. A relação com o pai, marcada pela indiferença e pela vergonha, porque no garoto já se manifesta uma sexualidade não aceita pelo preconceito social; marcada ainda por conflitos familiares oriundos do machismo; essa relação fraturada e sofrida nos comove e nos leva a refletir seriamente sobre que tipo de sociedade estamos construindo ou destruindo, através de valores arraigados que não deviam persistir, mas insistem em permanecer atormentando inúmeras vidas que não se enquadram nesses valores. Progredimos, sim, mas ainda tempos em nossa sociedade muitas e imensas ilhas de rancor, de preconceito, de racismo, de homofobia e machismo. Pequenas, mas dilacerantes obras como “Quem matou meu pai” ajudam-nos a compreender um pouco mais sobre o mundo em que vivemos e sobre o mundo em que queremos viver e deixar para nossos filhos.