A grande gripe, a história da gripe espanhola, a pandemia mais mortal da história da humanidade, John M. Barry
Sem dúvida, nos tempos atuais, um livro impactante. Não só pela história de uma pandemia ocorrida há um século, como por várias semelhanças entre ela e a pandemia desse início do século XXI, a da covid-19. Mas, vamos falar do livro. E da gripe espanhola. Primeiro, a ressaltar que o autor nos coloca a par, de uma forma extraordinária, a situação da medicina do final do século XIX e início do
XX, principalmente nos Estados Unidos. Aquela que foi chamada a “fase heroica da medicina”, quando, na verdade, todo o heroísmo ficava por conta dos pacientes que se submetiam aos brutais tratamentos oferecidos pelos “médicos” dessa época. Coloco a palavra entre aspas, porque, na verdade muito poucos formados em medicina podiam ser considerados médicos, já que, para se formar numa faculdade de medicina, bastava saber ler e escrever, matricular-se, assistir a seis meses de palestras e o “doutor’ recebia seu diploma sem nunca haver chegado perto de um paciente. E haja tratamentos baseados em crendices, em tentativas e erros, ou até mesmo na ideologia do médico. E mesmo os que tinham formação mais esmerada não conseguiam se livrar de tratamentos absurdos, como foi, durante muito tempo, a sangria, com o uso de sanguessugas, ou a crença em miasmas que infestavam o ar e provocavam doenças. O início do novo século marca o surgimento da medicina científica, quando médicos e cientistas renomados enfurnaram-se em laboratórios, para fazer pesquisa, pesquisa médica, agora em novos parâmetros, porém ainda com instrumentos e condições extremamente diferentes em relação ao que se dispõe hoje. No entanto, fizeram descobertas extraordinárias, que mudaram a forma de se ver a doença e os doentes. Quando a gripe espanhola surgiu – possivelmente no interior dos Estados Unidos – a ciência da época fez esforços imensos para descobrir a origem da doença, mas isso só foi acontecer muitos anos depois. A gripe pegou a humanidade no final da primeira grande guerra, e o exército estadunidense foi o encarregado de levá-la para a Europa e de lá, em pouquíssimos meses, ela se espalhou por todos os rincões do planeta. E ocorreu em ondas que só se dissiparam já no início da década de vinte, sem que o vírus da influenza aparecesse nas pesquisas dos grandes cientistas da época. Buscavam, erroneamente, uma bactéria. A mortandade foi geral, e até hoje não se sabe ao certo quantas pessoas morreram, um número entre 50 e 100 milhões, de todos os continentes, de praticamente todos os países. O livro traça um retrato bastante amplo da pandemia e de todos os cientistas que se debruçaram, em seus laboratórios, para descobrir um soro ou um medicamento que curasse a gripe; e vai além: mostra-nos como a gripe se espalhou pelo mundo diante da inércia absoluta de quase todos os governos, que quase nada fizeram para ajudar no combate à doença. Alguma semelhança com os dias atuais? Os relatos são todos estarrecedores, algo inédito realmente na história, algo que paralisou o mundo e anestesiou a humanidade, apesar de inúmeros seres devotados terem se lançado a campo e morrido com a doença, no intuito de combatê-la, dentre eles muitos dos cientistas, médicos e enfermeiras que se entregaram à linha de frente no atendimento da imensa quantidade de infectados. Está, portanto, relatado um período fundamental da história da medicina, quando se inaugura realmente a medicina científica, com a devida citação e homenagem de todos os pioneiros e suas contribuições para que chegássemos ao século XXI com uma postura radicalmente diferente de quase todos os profissionais médico. Digo quase, porque, se o caro leitor atentar para os fatos ocorridos entre 2019 e 2021, na medicina ocidental, irá descobrir que ainda há muitos médicos “fundamentalistas”, no pior sentido da palavra: se em 2018, receitavam quinino, um medicamento para malária, para combater a gripe, durante a atual pandemia vimos muitos “médicos” receitando cloroquina, também um medicamento para malária, para “prevenir” a covid-19. O tempo passa, a ciência transforma-se, aprofunda seus conhecimentos, evolui, mas muitos seres humanos parece que se fossilizaram no tempo e mantêm seu cérebro funcionando no diapasão de séculos atrás. Por isso, eu acredito, a importância de ler obras como esta.